segunda-feira, 6 de março de 2017

A geração sem geração

Foi preciso fazer 31 anos para sentir que tinha entrado na casa dos 30. É que fazer 30 é só o prelúdio, começando pela nossa festa de aniversário e consequente ressaca descomunal de uma semana, seguida por todas as festas de aniversário dos restantes amigos que também fizeram 30 pelo ano fora e que, obviamente, fizeram festões e se desgraçaram monumentalmente....uff, não tive muito tempo para perceber que tinha entrado nos 30. Foram demasiadas celebrações por estarmos vivos há 30 anos ou pelo o número 30 ter alguma graça - talvez por acharmos que começamos a ser considerados mais gente, mas ainda não temos muitas rugas nem joanetes - porque de resto não tem graça nenhuma, e estamos longe de sermos gente.

Porque os 30 anos em 2017 não são os mesmos 30 de há vagamente duas ou três décadas atrás. Nem preciso ir mais longe que isso. Ter 30 anos em 2017 é como ter 10 anos. São ainda mais imbecis, até, que os 5 anos dos nossos pais.
É certo que sabemos fazer muitas coisas que eles não saberiam, nomeadamente fazer um perfil de Facebook e ter seguidores no Instagram, assim como sabemos que os frutos vermelhos são anti-oxidantes e que fumar é péssimo para a saúde - ainda que os anúncios da Malboro, que ainda davam quando eu era criança, eram qualquer coisa de extremamente estético...um grito de rebeldia que tanto nos faz falta!
Na realidade somos os verdadeiros ninjas da informação!, nunca jamais uma geração foi tão bem informada sobre o aquecimento global ou sobre onde ir buscar vitamina B12 se quisermos ser vegetarianos, ainda que pouca gente faça seja o que for em relação ao aquecimento global ou em relação aos animaizinhos que todos adoramos ver em vídeos amorosos (pois, essa vaquinha deve ter sido linchada logo a seguir, mas 'who cares'?). Sim, também enfiamos expressões em inglês em qualquer frase como ninguém. A minha avó era mais francês, mas mau.
É verdade também que qualquer um agora é fotógrafo, basta ter um iPhone porreiro, e toda a gente vai ficar a saber onde estamos e o que estamos a comer antes sequer de nós mesmos percebermos se estamos felizes com aquilo. Normalmente nem estamos...mas não paramos para pensar nisso, dá muito trabalho.
Também somos todos gurus do fitness e yoga, mas não deixamos de engordar como texugos. Até ganhamos aqueles queijinhos no Trivial Pursuit que a nossa mãe já "não foi a tempo", embora a mãe saiba quem escreveu o Hino Nacional e nós não, mas que interessa isso 'anyway'...? Entretanto já decorei a resposta.

Somos imbecis porque nos tratam como imbecis. E somos imbecis, justamente, porque estamos rodeados de imbecilidade e acabamos por aceitar.
Antigamente, ouvi eu esta conversa há poucos dias, havia trabalho. Saía-se de um sítio e ia-se para outro. Antigamente as competências eram valorizadas - se se tinha aprendido a arte de sapateiro, sapateiro ser-se-ia. Mas hoje para se ser sapateiro é preciso também dominar o Excel e, já agora, ser-se fluente em Ucraniano para cair na graça de um qualquer mercado internacional manhoso. Isto para não falar nas tendências.... ai, as tendências... se não estiveres dentro das tendências da moda do dito sapato, mais vale desistir. Mas também é certo que ninguém quer sapateiro, porque nos educaram a querer ser, no mínimo, designer de sapatos!, e não sapateiro.

Somos imbecis porque, entretanto, com tanto tempo livre para o sermos, andamos sempre agarrados aos telemóveis para ver o que se passa nas redes sociais, mesmo quando estamos à mesa com a família. É difícil construir duas frases para falar sobre o nosso dia ou responder à pergunta "Como estás"? A sério, dá muito trabalho, deixem-nos descansar a vista sobre o vestido da Melania Trump, porque essas trivialidades dão cabo de nós.
E eu falo no plural só para não entrar em conflitos alheios, mas na realidade só me apetece pegar em cada um dos vossos telemóveis e atirá-los à parede. Conflito montado.
Somos imbecis porque continuamos a viver na casa dos pais porque não temos um trabalho (porque vários alguéns já nos passaram o tal atestado de imbecilidade) ou porque não nos apetece gastar aquele dinheiro que irá para um par de ténis maravilhoso todos os meses em vez de ir para a renda.
Eu cá acho fundamental arranjarmos maneira de gastar menos água, por exemplo, e conseguir comprar também os tais ténis. Mas isso sou eu, desafios pessoais.

Tenho pena da minha geração que tem tantas capacidade como qualquer outra, ou até mais, mas que se deixou alhear pelo conformismo e comodismo criado pelo facilitismo de ter as coisas sem a magia de ter de lutar por elas, por um lado, e, por outro, pela sensação de não podermos ser nós a fazê-lo na qual já nos embrulharam.

Quem paga uma renda, paga-a sabe Deus como. E não há espaço para mais extravagâncias. Ténis? Pede à mãe!
E não se divide a renda com mais ninguém porque já ninguém tem paciência sequer para aturar outra pessoa ao lado. E não me refiro à mãe como pessoa ao lado. O telemóvel tem lugar cativo na almofada vizinha.

Estão-nos a tirar a capacidade de sermos independentes e a capacidade de sermos pessoas de razão. Desvalorizado o nosso individual, também se estatela a ambição de construir seja o que for em comunhão.

Somos uma geração criada para ser bem sucedida, mas ultrapassada pelos caprichosos da velocidade da informação. Quanto mais informação temos disponível, maiores são as exigências. E no cansaço de lidarmos com elas, deixamos descansar a nossa alma em skrols infinitos e vídeos de gatinhos, porque a vida real já não se assemelha a qualquer musa ou poesia onde nos queiramos perder de amores.

Somos a geração sem geração, porque ainda nem deixámos de ser filhos para sermos pais.

2 comentários:

  1. Aos quarenta ainda vai ser pior.As rugas e os joanetes juntam-se à equação.Mas olha que será bom sinal.Significará que ainda estarás viva e que poderás continuar a escrever e a divertir assim as massas amigas,dizendo o que também lhes vai na alma mas por falta de percepção,habilidade ou iniciativa não expõem com a tua graça.

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  2. Muito bom texto Ana!
    Quem escreve assim, não faz parte da geração "síndrome da cabeça baixa", unicamente focada no écran. Baixas a cabeça para escrever e exercitar o pensamento, não fazendo parte de uma geração sem palavras. Comunicas directa e claramente, muito embora mais "ilhada" na tua solidão. Como diz o Rodolfo, continua a escrever e a divertir as massas "cinzentas"!

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