domingo, 20 de setembro de 2009

a vida num depósito

Um dia disseram-me assim: "As tuas inseguranças já têm depósito". 
Em vez de pensar no verdadeiro significado subjacente, o que me veio à cabeça foi a imagem de um copo cheio, com a palavra "insegurança" no fundo, como se fossem o depósito de um líquido estranho. No fundo também estava eu, afogada por entre as palavras e os momentos que se tinham acumulado. Acho que desde o dia em que me vi dentro de um copo cheio de impurezas no fundo, não fui mais a mesma.

P.S. Isto não são pensamentos de gaja.  

A Lei

A lei. Qual é o senso comum dessa palavra que pretende obrigar a natureza humana a ser o que não é? Ela julga, condena ou absolve, perdoa e castiga os homens e não os conhece nem por sombras, nunca os estudou na sua verdade nua e crua.  
Mas por outro lado...onde está o senso comum dessa anarquia que não entende que onde começa a liberdade do outro, termina a nossa?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Para aqueles que gostam de escrever.


Eu gosto de escrever. E isso traz em anexo um problema: falo menos. 
Quando se escreve podemos pensar, com tempo, naquilo que queremos dizer, descrever exactamente aquilo que sentimos, por as vírgulas e as pausas nos sítios certos. Podemos voltar atrás a apagar e voltar a escrever e rescrever. Escolher as palavras ideais, lê-las e editá-las, não ao nosso gosto, mas ao nosso sentido, e dizer, claramente, o que queremos que os outros entendam. Mas será isso um defeito? Escolher a via do lápis, do papel ou do computador, em detrimento de uma presença transparente?
Bem, não é uma questão de ser-se falso, cínico ou teatral. A questão é se sabemos demonstrar, de facto, aquilo que sentimos... através do gesto, das palavras ditas, das expressões, da atitude. Cada vez mais percebo que aquilo que mostramos ser nunca é aquilo que de verdade somos. Ou porque somos cheios de artimanhas ou porque cada pessoa vai entender de uma forma muita pessoal a nossa mensagem. Mesmo que essa mensagem tenha um sentido único, cada um interpretará à sua maneira o seu significado. E no fim, temos várias versões de nós mesmos a passear pelo mundo: aquilo que de facto somos, aquilo que a nossa mãe acha de nós, aquilo que cada amigo e cada familiar entende para si mesmo ser a verdade. 
Tenho a certeza que se todos nós nos filmássemos durante uns dias, quando nos víssemos não íamos reconhecer aquela pessoa que, por acaso, somos nós mesmos. Deve ser um choque e tanto. Íamos ver de fora a pessoa que os outros vêm, mas que nos é impossível ver dessa perspectiva. 
E com isto quero dizer que mais vale não levar nada a sério, porque no fim do dia, aquilo que realmente importa é ser feliz e fazer felizes todas essas pessoas que nos confundem e que não entendemos no seu âmago profundo, mas de quem gostamos e precisamos para continuar a viver.  
Não sei se algum dia vou conseguir atingir esse estado mágico de transparência, mas também não sei se essa transparência vai ser entendida sempre da mesma maneira. Só sei que a escrever, consigo por as virgulas e as pausas nos sítios certos. Posso voltar atrás a apagar e voltar a escrever e rescrever. Escolher as palavras ideais, lê-las e editá-las, não ao meu gosto, mas ao meu sentido, e dizer, claramente, o que quero que os outros entendam.  

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Chico ou Control?


Estava eu a ver um programa qualquer de entretenimento, naqueles momentos de absorto "não-fazer-nenhum", quando o dito cujo termina e entra a publicidade aos patrocinadores. Aquela dança habitual de referências às lojas que vestiram as apresentadoras e os cabeleireiros que as pentearam, etc e tal, e, no final, um terno apontamento de um anúncio da Chico, centrado numa bela criança de olhos azuis a saltitar numa qualquer geringonza de brincar. Até aí tudo bem, se no final não se ouvisse o slogan "Control, demoras mais, chegas mais tarde". 
...Eis então o que sucedeu: sobrepuseram o anuncio da Chico com o som do anuncio dos preservaticos Control. E eu fiquei a pensar se teria sido realmente um engano ou uma piada de algum espirituoso. Só sei que a mensagem que passou foi "esta criança é linda e fofinha, como vêem, mas não as tenham, protejam-se delas". 

Pobre miúdo, rejeitado em praça pública...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

pela Estrada Fora


Isto de andar para cima e para baixo com uma cabeça em anexo, é uma treta. Isto de termos o poder de pensar, reflectir, supor, interpretar, concluir, falar, esbracejar e chorar, é uma treta. Nós somos tão penalizados por termos inteligência como as moscas terem atracção por aquelas grelhas que delas fazem churrasco. E até para se nascer cão, é preciso ter sorte. Há os vagabundos maltratados e os príncipes da mamã. 
Este mundo é uma espécie de exame de geometria descritiva. Não entendemos a matéria, mas decorámos os passos para passar na disciplina que, mais provavelmente, não nos vai levar a lado nenhum. À vida também não sabemos porque a temos, mas acostumamo-nos a ela e batalhamos nos assuntos terráqueos como guerreiros e, no fim, o mais provável é também não sabermos o propósito de nenhum deles.
Mas se calhar é aí que está o segredo: em não entender nada. Viver. 

" Mas nessa altura dançavam pelas ruas, quais fantoches febris, e eu trotava atrás deles, como toda a vida fiz no alcanço das pessoas que me interessam, porque as únicas pessoas autênticas, para mim, são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, as que não bocejam nem dizem nenhum lugar-comum, mas ardem, ardem, ardem como fabulosas grinaldas amarelas de fogo-de-artifício a explodir, semelhantes a aranhas, através das estrelas e, no meio, vê-se o clarão azul a estourar e toda a gente exclama: Aaaah!"

in Jack Kerouac - Pela Estrada Fora. 

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Dica de sobrevivência



Há muitas coisas a ter em conta para nos mantermos física e psiquicamente saudáveis. Mas acho que vou falar só da parte psíquica, porque da outra já todos sabemos tudo de cor e salteado, mesmo que não façamos nada do que deve ser feito. 
Regra de Ouro: não ligar ao que os outros pensam de nós.  
Eu sei, eu sei, é difícil. É difícil esquecer aquele almoço em que tivemos mais de meia hora com uma alface nos dentes e ninguém nos disse nada. É difícil deixar de lado aquela insegurança quando achamos que estamos gordos. E é difícil não nos irritarmos quando somos contrariados e quando somos confrontados com o facto de estarmos mais gordos. Ou até com o facto de termos uma alface nos dentes, ainda que fiquemos mais irritados ainda quando não nos avisam disso.
É difícil sentirmos que fomos mal interpretados, que aquela piada parva que dissemos a não sei quem no meio de um jantar, na maior das ingenuidades, se tornou numa verdadeira batida de frente. Minha e de quem teve de suportar a piada. 
É difícil depois ficarmos quietos, sem pedir desculpas e arranjar todos os argumentos possíveis e imaginários para que a piada venha de facto a ser só uma piada e não um pecado capital. E é cansativo também.
Não discordo de que devemos adaptar-nos uns aos outros, da melhor forma, mas como nem sempre é fácil, nem justo para nós mesmos, fugir à nossa própria natureza, nem sempre correspondemos da melhor forma às mais diferentes pessoas.  
E a solução mais sensata é a de não pensarmos mesmo em nada disso. Já tinha descoberto essa solução, mas nunca a tinha posto em prática... basicamente porque não é fácil de se por em prática. Parece confortável, e torna-se confortável com o tempo, mas no início é aquela luta clássica. Não queremos nunca, num modo quase egoístico, que alguém tenha má impressão de nós... mas isso... cansa...
Resolvi que não vou mais preocupar-me com o que a vizinha do lado pensa dos meus ténis encardidos (bem, isso nunca foi uma preocupação para mim, mas serve de exemplo). Não me vou preocupar com o que as pessoas pensam das minhas piadas, mais ou menos secas, mais ou menos agudas, mais ou menos inconscientes. Não me vou mais preocupar com o aquele "Bom dia" que não dei, nem com as expectativas que têm sobre mim, mais ou menos frustradas, deste ou daquele. Somos o que somos. Ainda que possamos controlar o mau feitio, não podemos controlar a ironia. Eu não consigo. E até acho que isso tem tudo a ver com bom feitio. 
Que mal há em rir-me de um gajo vestido com uns calções justos e t-shirt cor-de-rosa que indaga numa voz histérica "Onde está a minha pochete?". Não é por ter alguma coisa contra os gays, aliás não tenho nada, é só porque essa situação em particular é simplesmente cómica, quase a roçar o ridículo. Mas o melhor que essa pessoa pode fazer é ignorar o que eu penso ou acho dela! (Mas para que não haja dúvidas, este momento é fictício... mas lá estou eu a justificar-me... ).
O Manel acha que eu sou convencida? A Margarida acha que o Manel é feio? A carla acha que o Ricardo não tem estilo? O Ricardo acha que a Carla não sabe ser oportuna? Whatever... As pessoas são todas diferentes. 
Não nos é possível sair da perspectiva limitada do nosso eu individual e entrar em outros semelhantes ou completamente antagónicos.
Façam o vosso melhor, mas nunca se esqueçam que acima de tudo, o importante é estarmos em sintonia connosco mesmos.  

domingo, 19 de julho de 2009

Nostalgia?


Já imaginaram o que seria o mundo se não existisse nostalgia? Se fosse sempre tudo tão homogéneo que não fosse sequer preciso lembrar o passado. Se não houvesse mudanças, nem novidades, se não houvesse nascimento nem morte. Apenas o presente, continuo e imutável. Devia ser bom... 

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Das duas, três!


   Estou confusa. As mesmas pessoas que sempre me disseram "nunca te metas na droga porque isso mata", são as mesmas que agora me dizem "todos temos uma hora marcada. Só Deus sabe quando.".
Então como é? Das duas uma... Porque senão começa a parecer-me mais 'das duas três'! Porque nas entrelinhas esconde-se outra hipótese qualquer... quem sabe a "cá se fazem, cá se pagam", ou seja, ou te portas bem ou Deus castiga-te. 
   Não tenciono meter-me em coisa alguma, mas inevitavelmente, estes questões dão que pensar. 

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Sete Esquilos e Uma Princesa




"Sete esquilos e Uma Princesa" (montagem photoshop)

Tudo o que parece ser não o é. Aqui há mais de dez elementos transportados para uma imagem original, que era desprovida de vida e que agora narra a história de uma princesa, e seus sete esquilos, acabados de aterrar num ovo espacial numa micro-esfera paralela. Tudo o resto fica à vossa imaginação.  

A spooky trip



"A spooky Trip"  (caneta preta bic, colagens em papel vegetal..)

Esta ilustração deu-me uma carga de trabalhos. Imaginem o que é preencher tudo com caneta bic!
É para uma das histórias do livro "As formigas", de Boris Vian, que narra a história de uma estranha viagem em que os intervenientes acabam por esquartejar um dos elementos só porque ele não fala nem participa nos diálogos que se desenvolvem naquela carruagem. E quanto mais o molestam, menos reacções dele conseguem. Enfim, Boris Vian, sempre tétrico e altamente surreal... 


quarta-feira, 8 de julho de 2009

Quem é Deus?



- Quem é Deus? 
- Não sabes quem é Deus? Então, Deus é aquele tipo que nunca faz o que lhe pedes!

Anos 90


Tenho a sensação que os anos 90 foram uma década um pouco ignorada. Ou talvez ainda não seja tempo para os valorizar e reviver, já que os revivalismos têm tendência a acontecer pelo menos 30 anos depois.
Eu cresci nos 90 (bem, continuei a crescer depois disso, mas dei as minhas primeiras passadas enquanto gente nessa década), e talvez por isso tenha em mim essa nostalgia. Era uma criança, mas vai-se lá saber porquê, gostei sempre mais das coisas que os adultos faziam e ouviam que ligar às coisas da minha idade.
Adorava e continuo a adorar aquele estilo meio punk, meio grunge, do inicio da década... os cabelos compridos, as botas de biqueira de aço e os calções esfarrapados nos rapazes, que continuavam a parecer putos por mais que crescessem. Não posso dizer que ache sexy, mas exerce um certo magnetismo em mim, isso é certinho. Estava em voga a simplicidade, tornando-se numa verdadeira lufada de ar fresco depois do barrocos 80 (ainda que nas mulheres aquelas calças de cós alto não me atraiam muito, nem tão pouco as t-shirts a mostrar a barriga) e eu sempre achei arrepiante a moda dos 80. A nova estética, como quase todas elas, esteve sempre a par da estética dos músicos da altura, boas bandas Rock, Punk, Grunge, muitos popularizadas, sendo este último estilo musical surgido mesmo na transição dos 80 para década de 90.
Pélo-me pelo Kurt Cobain, pelo Eddie Vedder e pelo Whitfield Crane. Continuo a achá-los lindos como da primeira vez. Claro que agora devem estar gordos... pelo menos os que sobreviveram. E tenho tanto medo de perder a imagem que tenho deles, que não vou cair na tentação de ir ver fotografias actuais ao Google. Para mim vão ter sempre aquele aspecto de há quase 20 anos atrás.
Aos dez anos a minha maior frustração foi não ter idade suficiente para ir ao concerto dos Ugly Kid Joe, ao qual o meu irmão (com 14 na altura) conseguiu ir. Fiquei duas horas a chorar à janela. Sim, era completamente apaixonada pelo vocalista, mas assim duma fixação que hoje só dá para rir quando me lembro. Cheguei a achar que o ia conhecer, casar com ele e ter muitos filhinhos de cabelo comprido. E até hoje pergunto-me se com 14 anos o meu irmão poderia ter entrado sem falsificar o BI.
Depois também havia o BritPop, o PopRock e derivados, com uma estética mais composta, mas mais obscura. O metal sinfónico teve grandes contribuintes e muitos temas ainda estão no ouvido de muita gente. Portugal conheceu também bons autores. Quem não se lembra dos Quita do Bill?
Bem, há que dizer que não entendo profundamente a história da música nem sei rotular estilos musicais no seu mais ínfimo pormenor, por isso espero que não me apareça aqui uma daquelas pessoas que sabem de cor todas as influências existentes em cada música, mas a verdade é que música dos 90 continua a acompanhar-me até hoje, saiba eu pouco ou muito acerca dela.

Nos dias de hoje também há óptimas referências. Em todas as Eras surgirão trabalhos de qualidade que ficarão para a posteridade. Mas, como em qualquer Era também, há muita fuleirada. No outro dia estava a passar pela minha escola onde andei do 5º ao 9º ano, e deparei-me com um bando de miúdos com as sobrancelhas arranjadas, cabelos aerodinâmicos e camisas rigorosa e estrategicamente engomadas, artilhados de telemóveis e mp3's. E fiquei a pensar "raios partam os Tokio Hotel, que transformaram esta geração em bonecas de porcelana urbanas." Antes os cabeludos em cima de um skate. 

Fica então aqui a lembrança de boas bandas, algumas ainda no activo mas outras já extintas:

Pearl Jam
Nirvana
Radiohead
Guns and roses
Green Day
Ugly Kid Joe
The Verve
Oasis
The Smashing Pumpkins 
Prodigy
Garbage
Quinta do Bill (eh eh)
Sétima Legião
Entre aspas
Sitiados

Depois apareceram as Spice Girls e os Backstreet Boys e estragaram tudo...


Signos

 

Acho imensa piada colocar lado a lado a minha vida e a descrição do meu signo. 
E achei especial piada ler repetidas vezes nos mais diferentes sites que uma pessoa aquariana adora tecnologias e que o seu quarto é revestido de alto a abaixo com superfícies metalizadas e cores neutras como os cinzentos. 
Bom... se estou recordada, o meu telemóvel está a cair aos pedaços e só vou comprar um novo quando este já estiver em coma profundo. Não, não faz mais nada senão chamadas, mensagens escritas e tira umas fotos tão más que ninguém distingue uma cara de um cú.
Se bem me lembro, tive um mp3 há três anos atrás que se estragou em menos de meio ano e nunca mais voltei a comprar outro. Quanto a um mp4... isso é o quê? É um micro-ondas?
Não tenho playstation, não me venham falar do novo jogo para a PS3 que eu não faço a mínima ideia do que estão a falar. A última vez que joguei um Jogo deixei a Lara Croft afogar-se 50 vezes até desistir por completo de tentar prosseguir o jogo. Já não sei onde anda esse jogo, a propósito. Deve estar na cave.
O meu quarto...o meu quarto parece uma galeria de tudo e mais alguma coisa. É assim um género de reservatório de todos os objectos e todas as imagens que me façam lembrar algo de que gostei ou gosto muito. As paredes são amarelas e lilases. A minha cama tem sempre colchas rendadas, muitas delas feitas pela minha bisavó materna. Na minha mesa de cabeceira tenho um Buda e um candelabro com uma grande lua... o meu quarto é de cima a baixo revestido com cores quentes e madeiras. Onde está o metalizado? Ah, acho que tenho metalizado na moldura das janelas, que são hediondas 'by the way' e não fui eu que as lá pus.
Mas sim, tudo o resto bate certo... excluindo o pormenor do Cristiano Ronaldo fazer anos no mesmo dia que eu: nunca tive jeito para futebol nem especial gosto por cabelos impregnados de gel. Também não tenho especial gosto em dar pontapés na gramática nem ter uma colecção de carros na garagem (sim, não sou milionária, seja como for, carros não são a minha idolatria. São muitas as vezes que tenho de me esforçar para me lembrar a marca do meu). 
Sou virada para o futuro? Sim, acho que sou. Mas isso não tem de significar que o futuro se traduza em tecnologias e coisas retiradas da ficção científica. O futuro poderá ser o inverso do que até hoje imaginamos. 
Como Albert Einstein disse um dia "Não sei como será a terceira Guerra Mundial, só sei que a quarta será feita com pedras e paus"...

125 Azul


Esta música dos Trovante faz-me sempre lembrar os meus tempos de criança, quando ia com pais e irmãos Sul abaixo, até ao Algarve. Aquelas três horas pareciam intermináveis, mas sempre com boa música e na expectativa de duas óptimas semanas de praia. Há anos que já não fazemos essa viagem, essa viagem que antes era um compromisso anual, repetido anos a fio. Às vezes gostava de voltar a esses tempos... o complexo de Peter Pan encontra-nos a todos... 
Adoro esta música. Não entendia tudo o que ela conta, mas era uma música que relatava uma viagem Portugal afora, sem preocupações, desligando da cidade, e isso combinava bem com o momento.

Foi sem mais nem menos
Que um dia selei a 125 azul
Foi sem mais nem menos
Que me deu para abalar sem destino nenhum

Foi sem graça nem pensando na desgraça
Que eu entrei pelo calor
Sem pendura que a vida já me foi dura
P'ra insistir na companhia

O tempo não me diz nada
Nem o homem da portagem na entrada da auto-estrada
A ponte ficou deserta nem sei mesmo se Lisboa
Não partiu para parte incerta
Viva o espaço que me fica pela frente e não me deixa recuar
Sem paredes, sem ter portas nem janelas
Nem muros para derrubar

Talvez um dia me encontre
Assim talvez me encontre

Curiosamente dou por mim pensando onde isto me vai levar
De uma forma ou outra há-de haver uma hora para a vontade de parar
Só que à frente o bailado do calor vai-me arrastando para o vazio
E com o ar na cara, vou sentindo desafios que nunca ninguém sentiu

Talvez um dia me encontre
Assim talvez me encontre

Entre as dúvidas do que sou e onde quero chegar
Um ponto preto quebra-me a solidão do olhar
Será que existe em mim um passaporte para sonhar
E a fúria de viver é mesmo fúria de acabar

Foi sem mais nem menos
Que um dia selou a 125 azul
Foi sem mais nem menos
Que partiu sem destino nenhum
Foi com esperança sem ligar muita importância àquilo que a vida quer
Foi com força acabar por se encontrar naquilo que ninguém quer

Mas Deus leva os que ama
Só Deus tem os que mais ama

domingo, 5 de julho de 2009

Obama, o Herói?


Não vou ser original... Eu partilho do mesmo entusiasmo que a esmagadora maioria das pessoas em relação à tomada do cargo de Presidente dos Estados Unidos por Barack Obama. Não só por ser um afro descendente, mas por ser claramente um homem inteligente e de valores firmes. 
Num país que durante décadas humilhou e tratou de forma desigual os negros, este acontecimento vem comprovar que os americanos e o mundo em geral estão, de facto, dispostos a abraçar os tão enfatizados valores de igualdade e fraternidade entre todos os seres humanos. O que para muitos sempre pareceu um El Dourado, uma utopia apenas passível de ser concretizada em sonhos, tornou-se agora uma meta atingível.
Obama fala numa nova definição de uma nova geração, caracterizada pela responsabilidade e assente em "valores antigos" como a honestidade e trabalho árduo, fair play e coragem, patriotismo e lealdade. 
Contudo, o repetido slogan "Yes, we Can", muito ao estilo Americano, pode trazer alguma decepção aos mais perspicazes. Não por não acreditarem que não seja possível uma mudança real, mas porque consideram que se trata de mais um daqueles slogans que enfatizam um fim, mas não contemplam os meios. Porque, obviamente, nada que se preste a uma verdadeira mudança é fácil e imediato. Nem todas as promessas poderão ser concretizadas, pelo menos a curto prazo, porque não são meia dúzia de iluminados que detêm o 'Santo Graal', é sim o trabalho colectivo de uma nação que poderá fazer a diferença a longo prazo.
Admito que não percebo 'lufas' de política, não estou dentro das directrizes específicas de cada partido, aliás, continuo a ver o Comunismo, por exemplo, na velha acepção da U.R.S.S., embora tenha noção que hoje em dia devem haver umas quantas diferenças, adaptadas a novos tempos. E quanto à Democracia, se calhar ainda sou daquelas pessoas que a vêm com os mais variados filtros, principalmente os cor-de-rosa...isto para dizer que a minha opinião vem de uma mera espectadora, daquelas que ficam sempre de fora a ver, mas nunca se misturam nos movimentos propriamente ditos. Até digo mais, só há umas semanas é que me recenseei, com quase cinco anos de atraso (sim, dou a minha mão à palmatória, mas fiquem cientes que a outra continua disponível para retaliar, ah ah ah). Mas como ser humano e como cidadã, tento todos os dias ser o melhor possível, ainda que não saiba bem em que lado estou, se na direita ou na esquerda, se no centro... talvez esteja com um pé aqui e outro ali. 
O mundo está esperançoso, isso é já um elemento-chave para a transição, mas, e para terminar, cito a velha frase que nos diz "O maior erro humano do presente é julgar que as coisas do passado se tornaram impossíveis". Para o confirmar não temos só as várias guerras e genocídios a acontecer neste preciso momento, mas também a lembrança de que antes de Obama, há uns escassos meses atrás, tínhamos George W. Bush, esse grande senhor que pode ter muito jeito para acartar com maços de palha e montar a cavalo, mas nunca como Presidente...e que o era e foi de facto, para a incredibilidade de muitos. 

  

sábado, 27 de junho de 2009

Espiritualidade

É uma pena que não exista um pacote à venda entitulado "espiritualidade", que venha recheado dessa mesma graça. Um pacote no verdadeiro sentido do termo, desses que preenchem as prateleiras dos super-mercados. Um pacote com instruções anexas fáceis de seguir, que nos ajudasse a montar a vida, como se ela fosse um ármario do IKEA.
Livros há muitos, pessoas iluminadas também vão havendo umas quantas, mas o que eu gostava mesmo era que a espiritualidade se construísse apenas com um martelo e uns quantos pregos e..voilá. Depois era arrumá-la em algum canto, enquanto se usufruia da compra mais ou menos inconscientemente, e quando expirásse o prazo (se houvesse um prazo), iamos a correr comprar o novo upgrade. Porque se os computadores têm upgrades de dois em dois dias, a espiritualidade também poderia ter, porque senão também não havia emoção alguma nas nossas vidas. E já estou a imaginar as filas que se fariam aquando do lançamento desses novos upgrades. O Harry Potter teria os dias contados.
O problema dos livros e dos discursos é que eles não nos dão a solução (assim uma solução sem precisar passar pela equação e precisar lembrar que menos e menos é igual a mais), eles dizem-nos apenas de que temos de aceitar o Caminho. E perguntam vocês que é esse gajo.
O Caminho, com letra grande, esse grande sacana, é o aquilo que nos acontece e que nunca estamos à espera, é o inverso dos nossos sonhos e a antítese das nossas vontades. Na realidade, é o antípoda da nossa imaginação, mas é a ele que temos de aceitar e abraçar, como forma de aprendizagem. Pois, é assim que deve funcionar, mas só porque não temos alternativa.
O que era bom, mas mesmo bom, era poder agarrar nas nossas experiências vividas, coloca-las no photoshop e administrá-las à nossa maneira. Pôr cores coloridas, adicionar uma música, colar um sorriso onde fosse preciso... Ou ainda barrar as nossas torradas do pequeno-almoço não com manteiga, mas com generosidade ou, quiçá, coragem, acompanhadas com um suminho de alegria, e estávamos arrumados para o resto do dia (O álcool pode ter efeitos parecidos, mas a ressaca não vem nos meus objectivos vespertinos).
Mas depois a generosidade deixava de o ser, assim como a coragem, que perdia os seus tomates, deixava de ser coragem e a alegria seria apenas uma condição. Seria o mesmo que eu dizer que canto bem porque tenho um programa de som muito porreiro que me põe a cantar como a Byoncé.
Afinal de contas, parece-me adequado quando nos falam em "Caminho". Quanto mais não seja para experimentarmos a sensação de merecimento. Quanto mais não seja para experimentarmos o doce após a amargura.
Mas será o Amor, e todos as suas ramificações, conceitos intemporais e não transitórios? Não nos chega entender o Amor como o melhor caminho para viver, também queremos saber se é ele eterno...

Alberto Caeiro

"O meu olhar é nítido como um girassol" (desenho digital)

"O meu olhar é nítido como um girassol / Tenho o costume de andar pelas estradas / Olhando para a direita e para a esquerda, / E de, vez em quando olhando para trás... / E o que vejo a cada momento / É aquilo que nunca antes eu tinha visto, / E eu sei dar por isso muito bem... / Sei ter o pasmo essencial / Que tem uma criança se, ao nascer, / Reparasse que nascera deveras... / Sinto-me nascido a cada momento / Para a eterna novidade do Mundo..."

Pelas razões óbvias há muita gente que gosta deste poema... E eu sou mais uma dessas pessoas (não, não tenho problemas com 'objectos' de culto ou com clichés, porque se eles o são é porque alguma verdade encerram). E para o ilustrar não podia deixar de realçar o sentido primordial, que é a visão.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

tributo à dança




"Today is the greatest day" (montagem photoshop)


Gosto da ideia de pegar numa forma e preenche-la com outras, ou será antes pegar em várias formas e criar uma nova... Mas gosto sobretudo de dança, talvez por ser uma arte que pode ser admirada em todos os ângulos: de frente, de lado, de cima, pelas costas, e que liga criação, esforço, ritmo, música, luz, cor, profundidade, volumetria e humanidade numa só forma de expressão. É como se tivessemos a escultura e a pintura dançando ao ritmo da música.

As homenageadas são as gêmeas Joana e Mariana (que de iguais nem têm assim tanto, eh eh), e a Mariana Paraizo, três grandes bailarinas.

Ao aniversariante



"Vocês são todas umas gordas" (lápis de carvão, tintas acrílicas e colagens com papel de jornal)

No dia de aniversário do André, cujo jantar foi em minha casa (haja solidariedade pelos sem abrigo, ah ah ah), ofereci-lhe este retrato. Ter boa aparência não é tudo, é preciso ser-se carismático e dizer coisas como "vocês são todas umas gordas" com este ar de enjoado..

Estilos e segregações

Às vezes penso que não tenho predisposição para nada em específico e para tudo ao mesmo tempo. Costumo sentir-me a flutuar no tempo, não pertencendo a filosofia nenhuma e não sei sequer definir o meu estilo.
Aliás, quando entrei para o liceu não entendia o porquê de se formarem grupos de pessoas consoante a maneira de vestir. Havia os 'dreds', os 'hippies', os 'trashers', os 'betos', os 'pintas', os 'góticos', os 'bimbos', etc, etc, de entre tantos outros rótulos, uns mais simpáticos, outros menos. Depois havia as pessoas como eu, que eram impossíveis rotular, porque não me conseguiam identificar com estilo algum.
Nessa altura eu afastava de mim qualquer influência exterior que se manifestasse de forma superficial e empobrecida de qualquer fundamento racional. Porque era apenas uma forma de vestir, que ambicionava os fins, mas não contemplava os meios: um aborrecimento. Os miúdos assim se vestiam porque estava na moda ou porque queriam imitar o palhaço da turma ou a menina bonita por quem todos os rapazes se apaixonavam.
Vestir eu vestia qualquer coisa que me agradasse, e que achasse que me ficava bem, sem medir questões do género: "será que isto tem a ver com a minha amiga Joana?". Mas como também tinha amigas, como a Joana, entendi, aos poucos, que afinal também eu fazia parte de um grupo, o grupo dos que não se importam com nada disso.
A roupa pode, sim, transmitir um estado de espírito ou forma de estar na vida. Pode ser um veículo de expressão bastante importante e até interessante. Mas quando somos mesmo muito jovens, não temos propriamente uma intenção pedagógica ou a intenção de, simplesmente, nos sentirmos confortáveis, mas sim a intenção de chamar à atenção para nós mesmos. E a maioria saltita de estilo em estilo, consoante o grupo a que se junta, sem se preocupar em encontrar a sua verdadeira definição. E só mais tarde começam a fazer as escolhas consoante algo mais sensível e profundo em detrimento duma mera aparência. Só um pouco mais tarde é que surge a definição. Mas para ela surgir, talvez tivessem mesmo de passar por várias fases. Talvez eu não tenha precisado.
Ainda assim, mesmo que tenha entendido a força da moda, continuo a achar que nada disso interessa. Mas também percebi que é impossível não existirem segregações. E que embora eu não tivesse um estilo visual definido, a minha personalidade tratou de me enquadrar em algum lugar, isso é certo.
As segregações estão dentro de nós. Nós somos naturalmente segregacionistas porque tendemos a procurar quem se assemelhe a nós. Porque nós precisamos de nos identificar com algo. E ao crescer, e ao tornar-me menos moralista, não mais censurei estilos ou formas de vestir, porque sei hoje que as fases têm todas um inicio e um fim e que algumas pessoas têm de passar por várias ou por todas elas, e que, no fim, acabam por encontrar o seu ambiente ideal.
Justo e bonito é que haja tempo e espaço para se viverem, tranquilamente e sem pressas, todas elas.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Novelas portuguesas

Quem as faz prima pela falta de vocação ou, mais provavelmente, pelo pouco esforço sacrificado em nome de tal oficio. Acredito que haja gente talentosíssima no meio, mas que de si dá muito pouco. E os ingénuos, meio país e um quarto, conseguem mesmo achar-lhes piada. Toda a gente cai nas graças das novelas portuguesas “aka” novelas da tvi.
Devemos aplaudir o empenho em oferecer ao povo o produto da terra, em oferecer ficção nacional, com portugueses e para os portugueses, mas isso não significa que, uma vez ganho o amor do público, se possam sentar à sombra da bananeira e não acurarem os detalhes. Aliás, que Televisão não gostará de aumentar sempre mais um pouco essa audiência? …Mas, então, façam bom trabalho. Porque se há audiência, essa audiência está a alimentar-se de péssima Televisão. E os demais, que põe de lado essas mesmas novelas, também nunca hão-de ser cativados.
É uma pena observar actores promissores embrenhados em péssimos textos, com péssimas direcções e péssimas cenografias. Em poucos segundos, no meio de tanto lixo, qualquer estrela se desvanece.
Estamos muitíssimo atrasados no que toca à Televisão. Temos bom teatro, bons comediantes e até algum bom cinema, mas as novelas, que são consumidas pelo dobro das pessoas que os outros todos juntos, são a visão de um passado longínquo, nos primórdios da realização. Mas não dá nostalgia alguma, apenas apreensão.
Nem as novelas brasileiras, no ar em Portugal há mais de vinte anos, parecem servir de exemplo. Com uma gama de excelentes actores e uma produção de relativa qualidade, ainda que com algumas arestas a limar, são um bom exemplo de como fazer boa ficção sem grandes recursos financeiros, pelo menos à vista de Hollywood (não invalidando que os brasileiros tenham, de facto, uma predisposição genética para a representação. Oh xênti…).
Ao observar de forma crítica uma novela brasileira e em seguida uma portuguesa, saltam facilmente à vista os principais erros. E esses erros nem são assim tão difíceis de emendar. Ou serão? É que por acaso são muitos.
O método para conseguir imitar o real parece-me simples: observarmo-nos a nós mesmos e aos outros atentamente, ou seja, prestar atenção a esse real que se quer imitar. E eu acho que quem escreve os guiões não está habituado a ouvir-se nem a si mesmo nem aos outros, e quando falo dos outros refiro-me até ao rapaz que lhe serve a bica todas as manhãs. Depois chega o dia em têm numa cena com um rapaz que serve bicas e nem sabem o que o hão-de por a fazer e a dizer. De facto, as próprias personagens não têm uma personalidade definida nem qualquer vestígio de complexidade, e os textos pouco acrescentam, de tão maus e inoportunos que são. E se não são complexas, são desprovidas de qualquer carisma, e personagens sem carisma não são personagens que valham a pena sequer nascer. Não sou actriz nem tenho essa pretensão, e por isso não ponho em causa o talento e o trabalho que essa profissão exige, mas em tudo o que fazemos devemos ser sempre o melhor possível, principalmente quando se expõe a própria imagem numa tela de televisão ligada no país inteiro.
Depois é a questão da movimentação, que me irrita quase tanto como os enfadonhos textos. Não existe qualquer dinamismo, nem ponta de naturalidade. Debitam os textos de tronco virado para as câmaras mesmo que estejam a falar para o lado (um pau de vassoura faria bem o papel e não sairia tão caro), não se mexem enquanto não acabam o texto e ninguém interfere no tempo de cada um de dizê-lo até ao fim. Não existe uma caminhada curta para o sofá, seguido de um levantar e um virar de costas. Não existem gestos naturais de agarrar num objecto enquanto falam, descalçar os sapatos ou simplesmente coçar o nariz. Ninguém vê televisão, ninguém cozinha, ninguém toma banho. Não existe espontaneidade, e o que faz o actor um bom actor será a facilidade em transpirar espontaneidade na ficção.
Depois há a cenografia. E o Óscar desta categoria vai directamente para o Rebelde Way (por acaso da Sic). Pouco sei da história de cada um dos pequerruchos, mas sei que a trama anda à volta de meia dúzia de alunos de um colégio de seu nome Prestige, cheio de etiquetas a dizer ´”ridículo”. Ridículo, primeiro, porque, por alguma razão insondável, retrata um colégio de meninos ricos, mas que de riqueza têm pouco, e nada se parecem com a maioria dos jovens portugueses a quem, supostamente, tentam adequar-se e é ridiculamente enorme para a quantidade de indivíduos que habitualmente lá circulam (assim uns 20 no máximo, a contar com os figurantes). Ridículo, em segundo lugar, porque passadas as portas (e entrando no cenário) deixam de existir janelas, deixando de existir qualquer ligação a um mundo exterior que nos ajude a formar um contexto (isso também acontece muito com as brasileiras, mas não de uma forma tão evidente). E sendo que a luz de estúdio e o pouco cuidado na cenografia dos habitáculos são tão proeminentes que uma formação mental de um contexto real vai por água abaixo.
Por fim vamos aos planos. Para que não sabe há vários planos possíveis: o plano geral ou grande plano, o plano médio ou ainda o plano americano, e os planos aproximados e de detalhe, havendo ainda os planos de sequências, os voos, etc. E penso que o segredo não está no uso e abuso de todos eles ao memos tempo, porque há cenas que dispensam muitos deles, mas sim no ritmo, na cadência e no intercalar dos mesmos, assim como a duração de cada um. E cada situação deveria seguir um padrão específico para uma melhor transmissão da mensagem idealizada, mas o que acontece é uma homogeneização desses padrões, até que deixam de existir dinâmicas e a história se torna apenas mais uma das muitas produções-relâmpago.
Começar por contratar actores profissionais, pessoas com formação real na área, seria um bom começo. Deixar as entradas das escolas ou as caixas registradoras dos super-mercados em busca de carinha bonitas e admitir pessoas com uma beleza não tão acessível à maioria dos gostos, mas com inequívoco talento, seria um excelente começo. Ficamos ansiosamente à espera.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Momentos de absorção

Hoje dei por mim na janela a olhar a rua lá em baixo. Faço isso muitas vezes, mas o que não é habitual é ficar longos minutos a reflectir sobre a temática ‘pedras da calçada’. E desta vez surpreendi-me num absoluto transe, hipnotizada com as formas que entravam pelos meus olhos.
Durante uns minutos viajei pelos contornos das bermas que serpenteiam ao sabor da estrada, passando para a verticalidade dos pináculos que impedem o estacionamento anárquico e pela entrada rectilínea do metro, de onde saía uma luz amarela, qual Nossa Senhora projectando um coluna de brilho no céu. Varri com olhos aquela composição, cheia de quadrados e círculos, curvas e contra curvas, altos e baixos e apercebi-me de como estamos nós habituados a ver a vida a partir da geometria e como já nem nos surpreendemos pelo passeio estar todo retalhado com tampas de esgotos e caixas de electricidade. Só hoje, passados anos, reparei nas três tampas de esgoto, dispostas em triângulo, que estão por baixo da minha janela. E no minuto a seguir, o passeio, de milhares de pedrinhas, já só me parecia uma saia às bolinhas e não mais um passeio.
Mais surpreendente é o facto de andarmos sempre em cima de passeios e estradas e raramente vermos o que de facto é o mundo feito, a terra, e não nos surpreendermos com isso. Ficamos depois surpreendidos por não nos termos surpreendido antes.
Esta tapeçaria faz parte da nossa vida desde que nascemos, os encontros com as esquinas também. Não há ninguém que saia à rua para ir comprar leite que não se depare pelo caminho com vários percursos para chegar a um mesmo ponto e por mais intricada que seja a teia urbana, se no-la tirassem perderíamos o norte.
Depois comecei a imaginar o que seria se os prédios à minha volta não tivessem paredes. Ia ver centenas de pessoas, centenas de vidas em acção, dispostas umas por cima das outras em camadas, porque eu sei que elas lá estão mas, de paredes erguidas, não vejo viv’alma e o bairro parece desabitado. E até gosto dessa tranquilidade ilusória. Habituamo-nos a saber que há pessoas que vivem há anos a 500 metros de nós, mas por existirem essas paredes e essas esquinas, nunca as vimos nem nunca as vamos ver. De facto, só de imaginar que em baixo do meu quarto, com a distância da altura de uma mão de cimento, está a decorrer uma vida, e das poucas vezes que me lembrei disso, é um bom exemplo de como são eficazes as barreiras arquitectónicas.
Entretanto a imagem das milhares de pessoas a bulir dentro das suas casinhas à vista desarmada pareceu-me desagradável. Percebi então que não seria, com certeza, possível viver num mundo onde não houvesse horizonte, onde não houvesse primeiros, segundos e terceiros planos; onde não houvesse o aberto e o fechado, onde não existisse simetria e assimetria, relevos e depressões. Mas a conclusão mais importante que tirei foi de que não seria suportável viver a céu aberto e com uma profundidade de campo indefinida com mais dez mil vizinhos, porque em vez de estar a alucinar saudavelmente com os desenhos da rua, estaria a ver o vizinho do 3ºA do prédio da frente a lavar os dentes ou a senhora do 5ºD do prédio do lado a cortar as unhas e quem sabe outras tantas coisas que felizmente não temos de partilhar com ninguém.
Agora vou dormir, antes disso vou só lavar os dentes e cortar umas unhas. Boa Noite.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Amor de pedra

Nãaao, não me estou a referir metaforicamente ao coração de ninguém, nem a um sentimento duro e insondável. É mais linear que isso. Refiro-me à minha paixão platónica pelo David de Miguel Ângelo. Sim, ele é de pedra...e então? Não lava a loiça nem aspira o chão, mas também não diz barbaridades...! Ou não fosse ele de pedra...
Ele já deixou de ser único, porque dele fizeram dezenas de cópias, e há as que são executadas com tanta perfeição que diriamos estar perante o original. A mim isso não me interessa. Na verdade se me pusessem um clone do Jude Law à frente, mesmo sabendo que não era o original, não pensava duas vezes. Não pensava, ponto final... Mas falando do David e das suas cópias, bom bom era o Berardo plantar um lá no CCB, porque assim escusava de me despencar até Itália!

Como todos os amores, este amor pelo David está embuido de vantagens e de desvantagens, de momentos de plena ternura e de momentos de crises altamente patológicas (porque o amor é uma patologia...embora seja das patologias mais bem vindas deste mundo).
Começando pelas vantagens, a mais óbvia é o facto de ele não ir a lado nenhum: não sai à noite, não se mete nos copos, não chega tarde e a más horas e não trai ninguém. Não preciso de perguntar "David, onde estiveste ontem à noite?", "David, que perfume é esse na tua roupa?". Porque ele não vai a lado nenhum e também não usa roupa: outra vantagem belissima de se constactar! (strike 2)
Outra vantagem será o facto de nunca envelhecer. Ele é sempre bonito, sempre jovem, sempre no auge da virilidade. Ninguém diria que o rapaz já vai para 5o0 anos e troca o passo, e nunca precisou de ir à Corporation Dermoestetica encher as peles. E está sempre na mesma pose.
A terceira vantagem nesta relação prende-se no facto de eu poder continuar a fazer a minha vidinha e não ter ninguém a pedir-me satisfações. Sim, porque ainda ontem fui ao Bairro Alto e ele não me mandou nenhuma mensagem enfurecida a perguntar onde raio eu andava e com quem estava. Isso é supimpa.
Mas depois de tanta parvoice junta, chega a hora das desvantagens: Ele não ajuda em casa; Ele não leva o cão a passear; Ele não aquece os pés de ninguém à noite; Ele é frio; Ele é de pedra!
O próprio Miguel Ângelo, de uma "gayolice" assumida (e acho muito bem), perguntou, certo dia, à sua obra prima "Porque és tu de pedra, meu amor?". Coitado do senhor, a partir do próprio cinzel esculpiu o homem perfeito e não pode atribuir-lhe o mais importante que foi a vida.
E os meus sentimentos vão para ele, porque não há ninguém que o entenda melhor que eu. O David, com as suas mãos sapudas e grandes, e o seu tronco eximiamente delineado, inspira paixões mas não aquece corações. Maior problema que esse é o facto dos Homens-Vivos, os de sangue e carne feitos, também não conseguitem tal proeza. Então, se os orgânicos não nos valem, fiquemo-nos pelos idílicos, porque com esses pelo menos podemos construir a história à nossa maneira.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Luelmo

Para quem se está a perguntar a si mesmo "que raio de nome é este para um blog?", eu explico. Não tem nada de metafísico. É só o meu apelido. E até estou agradecida por tê-lo, porque senão ia ser mais uma Ana, no Bum das Anas.
Assim apenas lido pode parecer apenas estranho, um tanto feioso, mas não é especialmente exôtico, tipo Borghildbjorn, como aqueles nomes que volta e meia aparecem nas listas dos novos alunos na Faculdade (e começamos logo a imaginar que temos um noruguês como colega, alto e espadaúdo, nos píncaros da saúde e cheio de amor para dar, para logo nos apercebermos que é apenas um descendente alemão por parte da bisavó por parte da tia da mãe, completamente português, inchado e com duas rosáceas nas frontes). Mas Luelmo, quando apenas dito, ninguém percebe. E nem sei porquê, não tem w's nem y's nem cinco consoantes seguidas. Se bem que para aqueles que nao dizem os l's deve ser lixado.
O meu nome é também uma herança dum estrangeiro muito à frente. É mesmo ali de Espanha, na fronteira com Portugal, algures entre Zamora e Fermoseille, por parte de bisavós, de uma tal de Socorro e de um tal de Manolo, que nunca cheguei a conhecer, e o que torna toda a histórica logo menos entusiasmante.
Quando tenho de dizer o meu nome a alguém, faço logo a antevisão da expressão mais repetida de sempre: "Como?", começando a soletrar a 'palavra' sonolentamente, segundos antes da reacção se realizar e do "como?" ter tempo sequer para ver a luz do dia. Ou então não dizem nada e escrevem o que lhes suou melhor. Mais tarde temos alguém a tratar-nos oficialmente por Noel. Ou Coelho. Sim, já confundiram Luelmo com Coelho. Eu devo ter um problema de dicção muito profundo e não dei conta. Isso preocupa-me, porque quer dizer que sempre que eu falo e as pessoas dizem o fatídico "pois", quer dizer que não perceberam nada. Bem, todos nós temos episódios em que temos a nítida sensação de estar a contar a historia mais hilariante do mundo e ninguém estar a ouvir. É desagradavel...é um facto.
Mas não, acho que não é dislexia minha. Porque não é possivel que quando eu digo Luelmo, se pareça realmente com Hellmans. Pois é, meus caros amigos, Hellmans. Mas de facto, a senhora tinha uma aparelho de audição que parecia um telemóvel atrás da orelha. Eu cá se fosse a ela, pedia uma indmnização ao fabricante. Aquilo não era pa ouvir melhor, era para captar vozes do outro mundo. Os serviços secretos devem estar metidos nisso.
De Coelho a Hellmans, pelo meio também fui Lelo. Ana Lelo. Não podia ser mais lisonjeiro.
Mas sim, já dei por mim a responder a telefonemas em que do outro lado se ouve: "D. Ana Elmo?" e eu "Sim, sou eu, boa tarde", porque não vale muito a pena reivindicar a sonoridade perfeita do meu nome já que ele não significa coisa alguma. "Pode ser Elmo, pode, diga lá."
Mas tem o seu quê de interessante não ser mais uma Silva ou uma Sousa, porque pelo menos pude mesmo deixar de ser Ana. Quem já sabe (finalmente) como se diz, já não me trata por Ana. E não foi por opção, simplesmente não há ninguém que me trate doutra forma, tirando a minha familia. Claro que aos poucos vai evoluindo para Luelma, porque senão parece que me estão a atribuir um nome masculino, o que também dá um nó agravado no sistema.
Mas suponho que é normal esta continua metamorfose dos nomes, porque há sempre aquele engraçadinho que gosta de fazer trocadilhos com o nome de qualquer pessoa, passando o Zé Aves a Zé dos Frangos, O Miguel Dias a Miguel Noites e outros exemplos que primam no gosto e na comicidade... Mesmo hilariantes esses tipos.
Ele não dá grande azo a comédias porque não quer dizer nada, nem se parece com nada que de cómico tenha (acho eu), mas se não é Luelma, é mesmo Lelma, qué mais rápido, mais prático. E depois surgem as situações "Ana? Tu chamas-te Ana?. . É que pensava que eras mesmo Lelma, tipo Telma".
Enfim, mesmo com os reveses marotos da fonética, gosto do meu nome. Quanto mais não fosse por tê-lo herdado do meu pai, que ao contrário dos meus bisavós castelhanos, conheci muito bem e de quem muito me orgulhei.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A conquista do Betão

Ele até merece letra grande porque se não é omnipresente como Deus, está quase a apanhá-lo! Ele é prédios, estradas, pontes e viadutos. Ele vai de casas a casões, de Nacionais a Auto-estradas, de vozes a nozes. E agora decidiu também destruir a vista que tinha da janela do meu quarto.
Eu achava que era privilegiada. Era um privilégio morar num paralelipípedo cinzento e feio sem ter de o ver nem a ele nem a similares criações. Partilhava da mesma sensação de alguém que um dia disse que ia almoçar todos os dias à Torre Eiffel, não porque a adorasse, mas sim porque era o único sitio de Paris de onde não se via a Torre Eiffel.
De facto, do meu feio prédio, da janela do meu quarto, até tinha uma vista agradável. Claro está que se pusermos um postal da Suiça ao lado da vista da minha janela, será uma triste comparação. Não tinha propriamente uma cordilheira montanhosa, com vaquinhas lindas e anafadas, como as do anúncio da Milka, a bambulearem-se de um pasto para outro, mas no seu todo, era um quadro bonito, pontilhado por árvores e casinhotos, velhas quintas com velhas oliveiras. Mas agora apenas sobreviveram algumas couves e uns quantos tuberculos, porque o resto fui brutalmente decepado para dar lugar ao Deus Betão.
Não estou preocupada com a hipótese de me entrar um carro pela janela adentro, porque o bem-dito viaduto que ali está a nascer, não está suficientemente próximo. Mas está suficientemente próximo para poluir a minha visão com 1 dioptria de miopia em cada olho, sem ter de por os oculos.
E eles dizem que vai melhorar o escoamento do trânsito e tcha tcha tcha, mas parece-me a mim que quanto mais estradas constroiem mais necessidade as pessoas têm de andar de carro. E quanto mais se andar de carro mais estradas se têm de construir porque o ciclo é um granda viciado. Aliás, alguém ponha em reabilitação esse fulano.
Em suma, eu estava feliz com a pequena favela que tinha à frente, com direito a galinhas e crianças cm ranho no canto das narinas. Gostava desse anacronia das oliveiras e casebres do século XIX de antigas quintas, misturadas com o pequeno bairro de casinhotos com pouco mais da minha idade. Estava feliz com isso. Mas agora, toma lá com um viaduto e quem sabe com o entulho das obras que nunca mais dali vai sair, para ver se voltas para a o ecrã da televisão em vez de estares à janela! Onde já se viu isto...

Presunção e água benta

Para inaugurar este blogue, que é a continuação do antigo "rebeubeubeu pardais ao ninho", nada como lançar à baila umas dicas espirituais. Não quero ser guru de ninguém, até porque a minha vocação está longe de tal categoria, portanto vejam-no (como eu vejo) apenas como um desabafo de ideias que me têm andando a trincar as células cerebrais com mordidinhas excruciantes.


Há uma coisa que me intriga nas coisas de Deus... Não que ele exista ou deixe de existir, porque isso nem o mais profundo dos místicos pode assegurar, e já estamos todos cansados desse assunto para o qual não havemos de ter resposta em vida, por isso não nos cansemos mais, mas sim a insistente continuidade que a generalidade das pessoas dá a rezas, orações e preces, quando Deus já provou há muito tempo, caso exista mesmo, não ter nem o poder, nem a 'vontade' para nos libertar dos nossos tormentos terrenos. Mais terço, menos terço, a miséria continuará a existir. Mais oração, menos oração, a tristeza continuará a assolar-nos.

"Quando orarem, não façam como aqueles que usam de vãs repetições porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos", Mateus, 6, 7-8.
Curiosamente até nos idos tempos bíblicos houve alguém que teve a coragem de o admitir. Não vale a pena gastar saliva nem arredondar testas em muros de lamentações, porque esses lamentos não surtirão efeito.
Não está em causa julgar a fé de ninguém. Estará em causa julgar a ingenuidade. Mas também não sou eu que vou julgar. Apenas me limito a disparar impressões.
A Nossa Senhora de Fátima, feita de pau, que não vê, não ouve, não fala e nada pode fazer por ser feita de pau, não vai aliviar a dor de ninguém nem trazer bem aventuranças algumas. A cruz que trazem pendurada no retrovisor do vosso carro também não vos trará sorte maior que a sorte dos que não usam amuletos... Em relação a isso não tenho qualquer dúvida. No entanto, não quero anunciar um absoluto cepticismo e vazio espiritual, porque acredito vigorosamente em algumas coisas.
Acredito que temos a habilidade de encontrar uma tal paz de espírito permanente, que nos fortalece e nos ajuda a encarar todos os ganhos e todas a perdas, mas essa é uma faculdade que temos de ser nós a desenvolver, cm muita perseverança e coragem. Acredito que haja um propósito que temos de perseguir, e que se baseia no amor, no amor em todas as formas existentes. Acredito que temos em nós o verdadeiro potencial para uma vida plena, sem excessos e sem pobreza. E é no meu intimo que encontro este desafio, com solução anexa, mas muitas vezes sem ajuda externa para o concretizar. Só não sei ainda, nem vou saber tão cedo, se é a mão de Deus que me sugere essa boa-notícia ou se somos apenas nós os autores dessa boa-notícia.