sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Zelosus

A palavra 'ciúme' tem origem nas palavras zelumen ou zelosus, do latim, que por sua vez têm origem na palavra zelos, que significa ardor, fervor ou intenso desejo. Zelos vem da mesma raiz grega que deu origem às palavras castelhana, francesa e inglesa, celos, jalousie e jeaulosy, respectivamente.
Quando uma palavra existe é porque aquela acção, sentimento ou condição também existe de facto. E se essa palavra existe há milhares de anos, é fácil supor que essa mesma acção, sentimento ou condição também existe há milhares de anos. (Também é verdade que continuam imensas definições por atribuir, porque todos os dias encontramos uma nova tara ou um novo bicho, e também há depois palavras como 'gambuzino' para nomear um animal que simplesmente não existe, mas prevalece a ideia. Concluimos então que, embora o tal gambuzino nunca tenha sido visto nem apareça nas enciclopédias científicas, o um bicho fisicamente 'inexiste', mas na nossa fantasia ele é bem real e tem todo o direito a ser 'perfilhado'.)
Ciúmes, Celos, Jalousie, Jeaulosy... é aquela coisa que nos consome as entranhas, nos tira a fome, nos faz roer as unhas e arrancar uns quantos cabelos. E há quem diga que é uma doença, uma tara, um problema e um distúrbio. Sim.. será um distúrbio quando se passa o limite entre o real e o irreal e se começa a perder as estribeiras com coisas 'idiotas' como quando o nosso 'mais-que-tudo' diz um obrigado e sorri à menina da caixa registadora do Pingo-Doce ao receber o troco. Isso talvez não seja muito normal nem tão pouco saudável... e bastante enervante para quem tem de levar com a 'ciumeira'. Mas, de facto, sentir ciúmes é tão natural como beber água.
Diz o dicionário o seguinte "reacção complexa a uma ameaça preceptível a uma relação valiosa ou à sua qualidade". E eu não precisava ter verificado o dicionário para saber o significado exacto do sentimento ciúme. Ele apenas me deu uma definição num português mais pomposo, e não deixo de lhe ficar grata por isso. Nenhum de nós precisaria verificar o dicionário, de facto, porque todos nós já sentimos a tal coisa do ciúme e, tendo ou não um vasto leque de palavras para o descrever, o sentimento é parecido em todos nós.
Seria maravilhoso que não o sentissemos, porque apesar de ser uma coisa bastante humana (..a até animal.. porque se eu puser a minha cadela junto com a cadela do meu irmão, é observar a ciumeira que se instala porque ambas querem atenção! Mas de animais não vou falar, já que é outro mundo distinto), é uma das maiores ameaças à nossa liberdade. À liberdade de expressão de quem quer galantear meio mundo e à liberdade emocional para quem sofre com o medo da perda.
Zelos leva-nos imediatamente ao nosso verbo bem portugês 'zelar', zelar por algo que nos é querido. Zelar pelos momentos que nos fazem sentir bem. Zelar por aquilo que não queremos perder de maneira nenhuma, ou zelar por aquilo que, pensamos nós, devia ser só nosso.
E aqui entra outro conceito, o da 'possessão'. Se eu comprar uma casa, ela é minha por direito, mas o meu namorado ou a namorada do Zé da esquina não é uma propriedade. Já lá vai bem longinqua a época da escravatura, em que homens eram propriedades de outros homens, e, embora acredite que tudo o que acontece no mundo, por mais aberrante que seja, pode não ser mera coincidência, mas um processo longo e muroso de aprendizagem (Deus à parte, a natureza sempre soube o que fez) tal coisa nunca devia ter sequer acontecido.
Pode sentir-se ciumes sem necessariamente sentirmos um sentimento de posse. No nosso eu mais racional sabemos que ninguém é de ninguém, mas no nosso ser mais irracional, desejamos ferverosamente que não tenhamos de partir umas quantas pernas por vingança.
Mas com peso e medida, o ciúme também pode ser uma coisa boa. É a demonstração de que queremos aquela pessoa junto de nós, e isso fá-la sentir-se especial. Foram mais as vezes que me culpei por não sentir ciúme algúm do que as vezes que me culpei por senti-lo. E quando fui eu a razão do ciúme, o meu ego inchou-se.
Talvez um dia sejamos tão livres como um papagaio sem corda, voando ao sabor do vento, sem nada que nos prenda ao solo, mas até lá, certifiquem-se apenas que as vossas cordas são grandes o suficiente para poder dançar. Quanto mais livres nos sentirmos das ameaças constantes do mundo à nossa volta, seguramente seremos bastante mais felizes.

2 comentários:

  1. O ciúme pode ser um sentimento sadio quando está relacionado com o interesse e o cuidado para com alguém que mobiliza o afecto quer seja um animal, um amigo, um irmão, os pais ou a pessoa amada. Este ciúme protector pode não causar sofrimento e não ser possessivo. O ciúme é mais evidente quando alguém sente a ameaça de deixar de ser o principal interesse do outro.

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  2. Eu gosto muito de Zelo. E do (bom) ciúme... Como tudo na Vida, uma boa pitadinha de ciúme, e atingimos um bom equilíbrio na gestão dos nossos sentimentos nas relações humanas. Nas maternais, filiais, amorosas ou em quaisquer outras, zelar e bom, muito bom. E respeitar, também. E amar. E voar... Huummm, tão bom...

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