sábado, 9 de fevereiro de 2013

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Manias

Não vou falar de Luís de Camões, apesar de me ter inspirado num trecho de um poema seu para título deste texto (até porque nunca lhe achei muita piada, venham de lá os professores de Português atirarem-me pedras).
Mas vou sim falar de Tempos (diga-se antes, Eras), e de Manias.
Quem não as tem? Eu tenho muitas, e uma delas é meter as pessoas em tubos de ensaio (metaforicamente falando) e estudá-las. E depois escrever sobre isso. Vociferar, queixar-me, fazer julgamentos, uns mais certos, outros menos: tudo isso junto. É a minha mania. Mas pelo menos admito que a tenho, para a alegria de todos nós. Amén!
E nos Tempos que hoje correm, há com cada Mania...e que me afectam em particular, mais ainda que as minhas próprias, porque muitos não admitem que as têm, ao passo que eu até sou bastante fã da expressão "dar o braço a torcer".

Começou a nascer uma corrente no Ocidente (não sei bem quando, nem onde, mas julgo que tenha tido o grande empurrão na entrada do novo milénio) à qual eu pejorativamente chamo de "Shanti-Shanti". Não me perguntem o porquê nem a origem deste termo. Simplesmente soa-me sarcásticamente adequado àquilo de que eu vou falar.
(Não vou a retratar ninguém em particular, mas se servir a carapuça, serviu.)
O movimento "Shanti-Shanti" é este engraçado movimento de pessoas que se juntam para meditar, abraçar árvores, cair em buracos no meio da terra e ficar lá horas a contemplar minhocas, que benzem a comida antes de a devorarem, enquanto abanam as seus colares feitos de sementes de uma qualquer planta exótica com extra-poderes curativos. Pessoas que limpam o rabo com folhas de aipim e que acordam às 5h da manhã para contemplar o nascer do sol numa vénia solene à Mãe Natureza. Que não comem carne porque acham hedionda a ideia de matar um animal para se alimentarem e que nunca jamais tocam em alcool porque lhes tolda as ideias. Pessoas essas também que saem à rua para dar abraços a perfeitos estranhos e coisas do género.
Mas agora atenção, muita atenção! A questão é outra. Não tenho nada contra a prática da meditação (eu própria tenho tentado praticar e é sem dúvida uma bom antídoto contra stresses e obsessões), e muito menos algo tenho contra o abraçar árvores (melhor abraçá-las que cortá-las!). Também gosto de caminhar na natureza e se encontrar um gruta fantástica, entro e fico por lá umas horas. E quanto ao nascer do sol, acho maravilhoso! Pena que seja tão noctívaga e raramente me seja possível tal contemplação...
O que me faz uma comichão danada é o entendimento que algumas destas pessoas têm de si mesmas e do que elas realmente andam a fazer. Algumas, sim, digo Algumas, porque obviamente não são todas. Mas essas algumas até podem ser muitas. Mas mais uma vez, não estou a retratar ninguém em particular, mas sim uma amostra que tenho tido o prazer de 'estudar' nos últimos tempos. São os novos messias, que de messias pouco têm. Como aqueles activistas que vêm para a rua dizer que são activistas, quando o verdadeiro activista é aquele que jamais se propõe a dito rótulo.

Regra geral o grande propósito ou objectivo destas práticas é a Evolução. A dita Evolução enquanto seres humanos. E nessa Evolução estão implicados muitos valores e eles são: o amor, a amizade, a partilha, o respeito e a compaixão. O que é belo, sem dúvida. E os estados almejados são: a paz, a serenidade, unicidade e a pureza. Mais belo ainda.
Mas como mais tarde ou mais cedo todos entramos em contradição com as nossas próprias ideias e práticas, há 'aqui' muita gente que se contradiz a torto-e-a-direito, em palavras e acções. Eu entro em contradição muitas vezes, não faz mal admiti-lo. E é por isso que acho genial terem 'inventado' a expressão 'peço desculpa'. Porque nos dá a possibilidade de rectificar os nossos erros.
Mas posto isto, o que eu quero mesmo dizer é: se praticam meditação para serem melhores pessoas, mais brandas, mais serenas, mais compassivas e para melhor usufruírem do Presente, não faz muito sentido (pelo menos para mim) que troquem uma ida a um aniversário de um amigo para o qual foram convidados (nem que seja para dar um 'oi') para contemplar o passarinho verde que acabou de poisar no beiral da janela. É que do meu ponto de vista, o amigo vai ficar sentido e lá se vai o tal valor da compaixão e amizade por água-a-baixo. Já o passarinho verde nem repara que está a ser observado (e se repara, o mais provável é que fuja).
Também não faz muito sentido o gesto mal-educado de interromper uma conversa a meio porque se avistou uma árvore linda e milenar e ir a correr abraçar o tronco da dita-cuja, deixando a pessoa com quem se estava a falar de boca semi-aberta. A árvore não vai a lado nenhum, pode esperar, e a conversa também, mas lá se vai o tal valor da partilha por água-a-baixo, porque nem dá vontade de a continuar.
Quanto ao vegetarianismo, a coisa é mais controversa. E espero não ferir susceptibilidades. Eu também sou amante dos animais, e estou de acordo com a seguinte frase que alguém um dia disse: "Se todos os matadouros fossem feitos de vidro, ninguém comeria carne". Mas estranha-me que alguns dos vegetarianos que conheço tenham tanto apreço pela vida de um animal, mas quando alguém diz "Fulano tal morreu" a resposta que dão, em geral, é qualquer coisa como: "E então? A morte faz parte da vida, é um processo natural e transformativo. Vais ficar a pensar nisso?" Pior ainda é quando o Fulano tal que morreu é da nossa própria família: "Ah, não posso ir ao funeral, porque tenho de virar o rabo para a lua e agradecer pelo feijão que comi ao almoço, durante 5 horas" (estas situações são mais-ou-menos fictícias, ninguém morreu, não se preocupem, mas foram inspiradas em situações reais). E um pedido de desculpas nem sequer se põe em questão, porque o verdadeiro 'Shanti' não pede desculpas, porque não há nada a desculpar: "Temos de nos aceitar como somos, não podemos pedir desculpas".
Escusado será dizer que com estas atitudes, aquilo que me apetecia que acontecesse era que o tão adorado Dalai Lama se despencasse dos seus montes e viesse rir na 'vossa' cara.
E os 'free hugs'? Quanto aos 'free hugs' só me dá vontade de rir. Não pela ideia em si, que acho engraçada, apesar de já não ser original (mas não precisa de o ser para ser uma boa ideia). O problema não está no acto de abraçar uma pessoa estranha, sem pedir nada em troca (lindo, lindo...! Deviamos fazê-lo mais vezes!), mas sim na questão que muitas vezes se entrepõe: "E o teu irmão, que vive contigo, desde que nasceu, abraças?". E eu sei que muitos o fazem, que começam por abraçar os seus entes queridos, mas também sei que muitos não o fazem. Porque é muito mais 'cool' ir para a rua abraçar aquele gajo-além que por acaso até está a atrasado para apanhar o comboio para ir ter com a filha, acabando mesmo por perdê-lo porque foi abalroado por um grupo de 'Shantis', do que o irmão, a mãe ou quizás até a namorada: "Epa, isso fica para outra altura! Aliás, até estou um bocado farto dela, porque é anti-natura ficar mais de um ano numa relação."
Quanto ao alcool e drogas várias, não sinto necessidade de fazer nenhum apelo do género "Se beber não conduza!" ou "Mantenha-se firme, não vá comprar 'cavalo'!", pois acho desnecessário, já toda a gente sabe dos malefícios de todas essas coisas. Mas vão dizer que o Não-Sei-Das-Quantas, por ter apanhado uma piela em mil-nove-e-troca-o-passo, é bêbedo e desequilibrado? E depois vão a correr fazer uma sessão de ayahuasca, que é uma planta altamente alucinogénica? Eu não sou ninguém para falar dos benefícios, muito menos dos malefícios da planta, porque pouco sei sobre o assunto. Mas...em relação à piela que o gajo apanhou no Natal, porque era Natal...também deviam estar era caladinhos.
E para terminar esta reflexão, que sei que alguns vão gostar e outros odiar, dou-me a permissão de dizer o seguinte: A vida é bonita, o mundo tem coisas maravilhosas. Nós conseguimos ser fantásticos: temos a capacidade de criar, de construir, de amar, e todo um conjunto de 'iguarias'. Mas nem sempre é fácil, nem sempre a levamos da melhor forma, muitas vezes somos é levados por ela e aos trambolhões. E cabe a cada um de nós ter a força para continuar, da melhor forma, mas também cabe a cada um de nós estender a mão a quem precisa. Porque quando encontramos alguém que está infeliz, não é justo julgá-lo como um defeito ou fraqueza. Às vezes as razões pelas quais levam uma pessoa a sentir-se infeliz podem até não ser lá muito 'razoáveis' do nosso ponto de vista, mas a única verdade é que ela está infeliz. E por conseguinte devemos ajudá-la ou tentar ajudar (se pudermos e se quisermos, claro está, mas admitindo-o à partida). E o que eu tenho notado recentemente é que muitas destas pessoas que enchem a boca para falar de amor universal e de partilha, estão sempre mais preocupados com os seus próprios rituais e, como já entraram num processo de "felicidade-robótica" (muitas vezes porque nunca viveram nada verdadeiramente sofrido, ou seja, foi 'canja'..), não estão realmente disponíveis para ajudar, preferindo mandar umas frases do Dalai Lama ou do Raio-Que-O-Parta via facebook ("e agora faz o que tens a fazes, mas sozinho") em vez de se materializarem na vida dessa pessoa e darem aquele aconchego. A privação de afecto é, muitas vezes, o pior de todos os males.
Como uma amiga minha diz, e bem - "Sabes o que eu acho? Há gente que quer ser tão espiritual, que acabam é por estragar a espiritualidade!".





3 comentários:

  1. Gostei muito, mas sou suspeito, pois sou anti fanatismo, seja lá qual for!

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  2. :-D tinha tanta coisa para escrever mas esqueci-me de quase todas. O sacana do bacalhau à brás com broa estava mesmo bom..

    Olha lá, tu não pões parágrafos? Organiza-te isso pááááá. :-D imagina que queres achar determinado assunto que abordaste? Como vais encontrar?

    Adorei as metáforas.. Fizeste-me rir. Temos muito que falar.

    Sabes o que acho?.. Neste momento, eu deixo toda a gente ser louca à vontade.. Eu deixo as pessoas (através dos seus actos) definirem o papel que elas vão ou não, ter na minha vida.
    Por exemplo.. Se me deixam a falar sozinho porque decidiram ir a correr abraçar a tal árvore, eu com certeza deixarei a pessoa ir abraçar a árvore.. mas também é óbvio que quando ela\ele acordar do ataque de parvoíce que o invadiu e o seu olhar procurar pelo meu paradeiro, descobrirá que desapareci.. e se por acaso fui eu que o trouxe de carro para o meio da montanha.. então olha.. pior ainda.. terá que chamar um taxi até ao cume da montanha.. isto se tiver rede lá)

    Se me disser que não vem ao meu aniversário porque tem de ir olhar para o passarinho verde.. então que vá.. mas seguidamente essa pessoa aperceber-se-á que já não consta dos meus amigos facebook, não mais lhe atendo o telefone nem que toda a sua família tenha ficado encarcerada debaixo de um camião cheio de fruta podre.

    A pessoa é que define o que tem de mim. Fica tudo mais fácil quando assim é. Em mim têm o melhor amigo que se pode ter.. a qualquer hora da madrugada.. mas também podem ter de mim o cabrão mais frio e indiferente à face da terra. Mas nem sempre fui assim. Mas agora sou.. e sabes o que ganhei? TEMPO e economia energética.

    A cena é que queres dar uma oportunidade a essa\essas pessoas que tens em mente quando escreveste o blog.. pois deixa-as ser.. mas longe de ti.. Depois disso só falta ter-se o íman activo para atrairmos as outras, que nos interessam.

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    1. Já há muito tempo que não escrevia nada com tanto sarcasmo. Mas parece que este tema me afecta em particular e, basicamente, "estava a pedi-las". Sabes bem do que falo.
      E tens razão quando dizes que devemos deixar as pessoas fazerem o bem entendem, mas que depois sofrerão as consequências. Tão simples quanto isso. Mas é essa parte de 'manteiga-derretida' muito minha que acaba por dar mil e uma novas chances a toda a gente. Mas tenho de aprender a driblar melhor a bola. :D
      Mas também já sabia que as pessoas retratadas não vinham ler este texto, porque têm todas essas coisas fundamentais acima descritas a fazer diariamente. E por isso, é para o lado que durmo melhor.
      Quanto ao parágrafos... nunca leste Saramago? Lol

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