segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Empreendedorismo! Porque gosto de palavras difíceis!

Tendo lido há poucas horas um texto sobre o empreendedorismo em Portugal, ou melhor, o empreendedorismo-metido-a-pés-juntos-que-vai-direito-à-barra (de Luhuna Carvalho, em 5dias.wordpress.com), fiquei com aquela coceira desgraçada de dar também eu a minha opinião (cá está um pleonasmo aceitável, Dalila...!). Mas não sobre o texto de Luhuna, que vale a pena ler, mas sobre o tal do 'empreendedorismo'. 
A sensação que eu tenho, e não é recente, é de que nos tentam impingir a ideia de que temos de apresentar um producto, a qualquer custo, que seja vendível e dê lucro. Porque os nossos reizinhos (com letra bem pequena) deram agora numa de nos dar lições de moral, com rápidas passagens nos capítulos de marketing 'as known as' sobrevivência, já que não pretendem largar os seus ossos de valor incalculável nem criar novos postos de trabalho.
E quase nos fazem acreditar que em pouco tempo somos lançados nas luzes da ribalta, como jovens ambiciosos e criativos, sob os holofotes dos nossos 5 minutos de fama, dando o exemplo a todos os outros milhares de criaturas que não tiveram ideias tão 'brilhantes'. Que coisa mais egóica. 


Mas a questão está no que realmente é brilhante ou não. Como refere Luhuna e bem, se o producto se baseia em rolos de papel higiénico coloridos (não vale a pena mencionar a marca), onde está realmente o brilhantismo da coisa? Naturalmente que já criámos muitas coisas úteis e até diria brilhantes, mas de há uns tempos para cá, na euforia de mostrar serviço, têm aparecido, com a mesma velocidade que desaparecem, negócios ou produtos que nem ao menino Jesus interessa.
Estive a pensar seriamente se devia referir ou não aquele producto criado por quem-já-nem-do-nome-me-lembro, apresentado em horário nobre e com o aval de Cavaco Silva (algo que misturava nutella com compota: "basta apenas carregar num botão"). Mas já que não me lembro nem do nome da moça nem do nome da engenhoca, tanto me faz. 
A verdade é que me pareceu ser mais um objecto obsoleto, não querendo desfazer o talento criativo dos seus autores, que não introduz nada de realmente inovador no mercado. Ou se é inovador, pouco me anima. Pelo menos não me vieram as lágrimas aos olhos, nem me deu uma nova e resfrescante visão da vida. Porque me animaria a mim um objecto que juntando dois ingredientes e que pressionando o dito botão me dê em porções iguais os ditos..e voilá! tenho uma torrada com Nutella e compota....? Isso para mim tem outro nome: inércia! ---> Não querer pegar na porra da Nutella e na porra da compota e não querer sujar duas faquinhas que barrarão a porra da torrada. E consequentemente, não querer lavar a porra das faquinhas.
Claro que a cada novo producto inventado, mais postos de trabalho surgem... Mas até quando? Porque não me parece que o spread-it (lembrei-me do nome!) vá fazer grande sucesso.
Okay, a vida não vai realmente mudar muito com esse objecto, só a a tornará um pouco mais inútil. Mais ainda. 

Mas a culpa não é dos jovens criadores (ou talvez seja um pouquinho... espera lá, que sois já todos bem adultos!), mas dos que tentam, sem prévias e razoáveis instrucções, lançar-nos no 'empreendedorismo'. 
- Vá, faz qualquer coisa.... Mesmo que tenha pouca utilidade. O que interessa é que venda! Porque eu cá já tenho a minha galinha dos ovos-d'oiro. 

Hoje, em conversa com a minha mãe, após ver uma reportagem sobre jovens empreendedores portugueses que, atirem-se foguetes ao céu e joguem-se vocês mesmos ao chão, conseguiram integrar a equipa da 'Jimmy Choo Shoes' graças à sua criatividade e audácia (só no final referiram que se tratou de um estágio e sabe Deus onde pára agora a tal equipa brilhante de jovens criativos) :

- Devias fazer coisas assim! E estarias hoje a trabalhar também na 'Jimmy shoes' ou algo semelhante...
- Mãe... mas eu não vejo inovação em fazer sapatos, por muito belos designs que ostentem, se continuarem a usar materiais pouco amigos dos ambiente. Se eu criar algo terá de ser ambientalmente sustentável. Se não for, prefiro ficar quieta.
- Mas porquê?
- Porque não quero, pague o preço que pagar, contribuir para a acumulação de objectos/resíduos no planeta. Mas que os sapatos são bonitos, isso são...
- Então faz algo ambientalmente sustentável! 
- Sim... Mas dá-me tempo. Sou um génio da lâmpada apagada, por enquanto.

Porque integrar uma equipa de uma marca supra-conhecida é mega empreendedor? Não... é só uma escalada social que, ainda não sendo fácil e parabéns aos que lá chegaram, pouco me diz. Porque sapatos há muitos, seu palerma!

E nisto chegamos ao ponto fulcral da mensagem. Se queremos fazer carreira e ganhar um bom dinheiro para pagar a renda e a Internet mais-rápida-que-a-própria-luz, okay, atirem-se na criação de 'trancaria' que o público certamente comprará.
Mas se o que queremos não é apenas ganhar um bom dinheiro para pagar as contas, mas sim contribuir com algo realmente positivo, comam com a austeridade porque ela não vos avalia os valores e éticas e continuaremos a ser explorados e espezinhados em call-centers e afins, sob a chefia de imbecis que nem escrever sabem... Mas no dia em que vos sair uma ideia visionária que não só vos trará dinheiro, mas também reconhecimento merecido, então aí terão um lugar nas enciclopédias. Ou melhor ainda, realização pessoal!


Fico pouco emocionada com a projecção mediática de jovens que, coitados, tiveram que criar alguma coisa mais-ou-menos interessante para que eles mesmos pudessem não apenas comprar a Nutella, mas inclusivé o pão para fazer as torradas. Fico, sim, impressionada com a falta de um alinhamento inteligente e visionário (e não me imaginem em grupos 'shanti-shanti' em adoração ao astro sol, ainda que mal nenhum veja nisso: não misturemos religiões com factos há muito por assimilar....e um deles é a sustentabilidade), que nos ensine não só a empreender para ganhar dinheiro, mas que igualmente nos ensine a empreender no caminho certo.
E não falo apenas da sustentabilidade natural de um planeta já demasiado carregado de esterco, mas também da sustentabilidade e estabilidade dos próprios empreendimentos que, ainda que sejam bons, não têm mercado que os mantenha vivos. Essa parte está também a escapar. Porque nos incentivam tanto a abrir negócios se a população não pode investir neles? Quem é que vai comprar o Spread-it (valha-nos a Santa Sé, que nome...) se nem dinheiro há para mandar cantar o cego?


Cortem lá o que quiserem. Cortem lá as pensões de viuvez, cortem lá os subsídios de invalidez. Mas não tentem cortar a inteligência da minha geração. Já que não cortam os próprios pulsos. 



1 comentário:

  1. Concordo plenamente com estas observações críticas do empreendedorismo (excepto na parte do "cortem lá as pensões de viuvez", mas isso são outras cantigas). O empreendedorismo é um conceito que tem sido promovido como uma espécie de salvação à lá IURD para os mais jovens quando, algo ironicamente, um dos problemas da nossa economia e dos jovens que têm projectos interessantes para desenvolver é, precisamente, a falta de acesso ao crédito. Fala-se de 'empreender' como se fosse dar um estalo de dedos e, pumba!, temos um negócio fresquinho pronto a prosperar! A questão é que isto tudo insere-se na construção de uma narrativa completamente falsa para justificar tanto o estado actual das coisas como as fraquezas da economia portuguesa (ie: os portugueses só não têm mais sucesso porque só querem um trabalho das 5 às 9 e não ambicionam todos ser o próximo Steve Jobs). É mais fácil fazer uma acusação moralista do género "a culpa é vossa que não são produtivos ou não empreendem!" do que explicar as verdadeiras razões da nossa fragilidade económica. Ou, por outras palavras, é mais simples tratar-nos como crianças inconscientes do que como adultos responsáveis.

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