sábado, 27 de junho de 2009

Espiritualidade

É uma pena que não exista um pacote à venda entitulado "espiritualidade", que venha recheado dessa mesma graça. Um pacote no verdadeiro sentido do termo, desses que preenchem as prateleiras dos super-mercados. Um pacote com instruções anexas fáceis de seguir, que nos ajudasse a montar a vida, como se ela fosse um ármario do IKEA.
Livros há muitos, pessoas iluminadas também vão havendo umas quantas, mas o que eu gostava mesmo era que a espiritualidade se construísse apenas com um martelo e uns quantos pregos e..voilá. Depois era arrumá-la em algum canto, enquanto se usufruia da compra mais ou menos inconscientemente, e quando expirásse o prazo (se houvesse um prazo), iamos a correr comprar o novo upgrade. Porque se os computadores têm upgrades de dois em dois dias, a espiritualidade também poderia ter, porque senão também não havia emoção alguma nas nossas vidas. E já estou a imaginar as filas que se fariam aquando do lançamento desses novos upgrades. O Harry Potter teria os dias contados.
O problema dos livros e dos discursos é que eles não nos dão a solução (assim uma solução sem precisar passar pela equação e precisar lembrar que menos e menos é igual a mais), eles dizem-nos apenas de que temos de aceitar o Caminho. E perguntam vocês que é esse gajo.
O Caminho, com letra grande, esse grande sacana, é o aquilo que nos acontece e que nunca estamos à espera, é o inverso dos nossos sonhos e a antítese das nossas vontades. Na realidade, é o antípoda da nossa imaginação, mas é a ele que temos de aceitar e abraçar, como forma de aprendizagem. Pois, é assim que deve funcionar, mas só porque não temos alternativa.
O que era bom, mas mesmo bom, era poder agarrar nas nossas experiências vividas, coloca-las no photoshop e administrá-las à nossa maneira. Pôr cores coloridas, adicionar uma música, colar um sorriso onde fosse preciso... Ou ainda barrar as nossas torradas do pequeno-almoço não com manteiga, mas com generosidade ou, quiçá, coragem, acompanhadas com um suminho de alegria, e estávamos arrumados para o resto do dia (O álcool pode ter efeitos parecidos, mas a ressaca não vem nos meus objectivos vespertinos).
Mas depois a generosidade deixava de o ser, assim como a coragem, que perdia os seus tomates, deixava de ser coragem e a alegria seria apenas uma condição. Seria o mesmo que eu dizer que canto bem porque tenho um programa de som muito porreiro que me põe a cantar como a Byoncé.
Afinal de contas, parece-me adequado quando nos falam em "Caminho". Quanto mais não seja para experimentarmos a sensação de merecimento. Quanto mais não seja para experimentarmos o doce após a amargura.
Mas será o Amor, e todos as suas ramificações, conceitos intemporais e não transitórios? Não nos chega entender o Amor como o melhor caminho para viver, também queremos saber se é ele eterno...

Alberto Caeiro

"O meu olhar é nítido como um girassol" (desenho digital)

"O meu olhar é nítido como um girassol / Tenho o costume de andar pelas estradas / Olhando para a direita e para a esquerda, / E de, vez em quando olhando para trás... / E o que vejo a cada momento / É aquilo que nunca antes eu tinha visto, / E eu sei dar por isso muito bem... / Sei ter o pasmo essencial / Que tem uma criança se, ao nascer, / Reparasse que nascera deveras... / Sinto-me nascido a cada momento / Para a eterna novidade do Mundo..."

Pelas razões óbvias há muita gente que gosta deste poema... E eu sou mais uma dessas pessoas (não, não tenho problemas com 'objectos' de culto ou com clichés, porque se eles o são é porque alguma verdade encerram). E para o ilustrar não podia deixar de realçar o sentido primordial, que é a visão.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

tributo à dança




"Today is the greatest day" (montagem photoshop)


Gosto da ideia de pegar numa forma e preenche-la com outras, ou será antes pegar em várias formas e criar uma nova... Mas gosto sobretudo de dança, talvez por ser uma arte que pode ser admirada em todos os ângulos: de frente, de lado, de cima, pelas costas, e que liga criação, esforço, ritmo, música, luz, cor, profundidade, volumetria e humanidade numa só forma de expressão. É como se tivessemos a escultura e a pintura dançando ao ritmo da música.

As homenageadas são as gêmeas Joana e Mariana (que de iguais nem têm assim tanto, eh eh), e a Mariana Paraizo, três grandes bailarinas.

Ao aniversariante



"Vocês são todas umas gordas" (lápis de carvão, tintas acrílicas e colagens com papel de jornal)

No dia de aniversário do André, cujo jantar foi em minha casa (haja solidariedade pelos sem abrigo, ah ah ah), ofereci-lhe este retrato. Ter boa aparência não é tudo, é preciso ser-se carismático e dizer coisas como "vocês são todas umas gordas" com este ar de enjoado..

Estilos e segregações

Às vezes penso que não tenho predisposição para nada em específico e para tudo ao mesmo tempo. Costumo sentir-me a flutuar no tempo, não pertencendo a filosofia nenhuma e não sei sequer definir o meu estilo.
Aliás, quando entrei para o liceu não entendia o porquê de se formarem grupos de pessoas consoante a maneira de vestir. Havia os 'dreds', os 'hippies', os 'trashers', os 'betos', os 'pintas', os 'góticos', os 'bimbos', etc, etc, de entre tantos outros rótulos, uns mais simpáticos, outros menos. Depois havia as pessoas como eu, que eram impossíveis rotular, porque não me conseguiam identificar com estilo algum.
Nessa altura eu afastava de mim qualquer influência exterior que se manifestasse de forma superficial e empobrecida de qualquer fundamento racional. Porque era apenas uma forma de vestir, que ambicionava os fins, mas não contemplava os meios: um aborrecimento. Os miúdos assim se vestiam porque estava na moda ou porque queriam imitar o palhaço da turma ou a menina bonita por quem todos os rapazes se apaixonavam.
Vestir eu vestia qualquer coisa que me agradasse, e que achasse que me ficava bem, sem medir questões do género: "será que isto tem a ver com a minha amiga Joana?". Mas como também tinha amigas, como a Joana, entendi, aos poucos, que afinal também eu fazia parte de um grupo, o grupo dos que não se importam com nada disso.
A roupa pode, sim, transmitir um estado de espírito ou forma de estar na vida. Pode ser um veículo de expressão bastante importante e até interessante. Mas quando somos mesmo muito jovens, não temos propriamente uma intenção pedagógica ou a intenção de, simplesmente, nos sentirmos confortáveis, mas sim a intenção de chamar à atenção para nós mesmos. E a maioria saltita de estilo em estilo, consoante o grupo a que se junta, sem se preocupar em encontrar a sua verdadeira definição. E só mais tarde começam a fazer as escolhas consoante algo mais sensível e profundo em detrimento duma mera aparência. Só um pouco mais tarde é que surge a definição. Mas para ela surgir, talvez tivessem mesmo de passar por várias fases. Talvez eu não tenha precisado.
Ainda assim, mesmo que tenha entendido a força da moda, continuo a achar que nada disso interessa. Mas também percebi que é impossível não existirem segregações. E que embora eu não tivesse um estilo visual definido, a minha personalidade tratou de me enquadrar em algum lugar, isso é certo.
As segregações estão dentro de nós. Nós somos naturalmente segregacionistas porque tendemos a procurar quem se assemelhe a nós. Porque nós precisamos de nos identificar com algo. E ao crescer, e ao tornar-me menos moralista, não mais censurei estilos ou formas de vestir, porque sei hoje que as fases têm todas um inicio e um fim e que algumas pessoas têm de passar por várias ou por todas elas, e que, no fim, acabam por encontrar o seu ambiente ideal.
Justo e bonito é que haja tempo e espaço para se viverem, tranquilamente e sem pressas, todas elas.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Novelas portuguesas

Quem as faz prima pela falta de vocação ou, mais provavelmente, pelo pouco esforço sacrificado em nome de tal oficio. Acredito que haja gente talentosíssima no meio, mas que de si dá muito pouco. E os ingénuos, meio país e um quarto, conseguem mesmo achar-lhes piada. Toda a gente cai nas graças das novelas portuguesas “aka” novelas da tvi.
Devemos aplaudir o empenho em oferecer ao povo o produto da terra, em oferecer ficção nacional, com portugueses e para os portugueses, mas isso não significa que, uma vez ganho o amor do público, se possam sentar à sombra da bananeira e não acurarem os detalhes. Aliás, que Televisão não gostará de aumentar sempre mais um pouco essa audiência? …Mas, então, façam bom trabalho. Porque se há audiência, essa audiência está a alimentar-se de péssima Televisão. E os demais, que põe de lado essas mesmas novelas, também nunca hão-de ser cativados.
É uma pena observar actores promissores embrenhados em péssimos textos, com péssimas direcções e péssimas cenografias. Em poucos segundos, no meio de tanto lixo, qualquer estrela se desvanece.
Estamos muitíssimo atrasados no que toca à Televisão. Temos bom teatro, bons comediantes e até algum bom cinema, mas as novelas, que são consumidas pelo dobro das pessoas que os outros todos juntos, são a visão de um passado longínquo, nos primórdios da realização. Mas não dá nostalgia alguma, apenas apreensão.
Nem as novelas brasileiras, no ar em Portugal há mais de vinte anos, parecem servir de exemplo. Com uma gama de excelentes actores e uma produção de relativa qualidade, ainda que com algumas arestas a limar, são um bom exemplo de como fazer boa ficção sem grandes recursos financeiros, pelo menos à vista de Hollywood (não invalidando que os brasileiros tenham, de facto, uma predisposição genética para a representação. Oh xênti…).
Ao observar de forma crítica uma novela brasileira e em seguida uma portuguesa, saltam facilmente à vista os principais erros. E esses erros nem são assim tão difíceis de emendar. Ou serão? É que por acaso são muitos.
O método para conseguir imitar o real parece-me simples: observarmo-nos a nós mesmos e aos outros atentamente, ou seja, prestar atenção a esse real que se quer imitar. E eu acho que quem escreve os guiões não está habituado a ouvir-se nem a si mesmo nem aos outros, e quando falo dos outros refiro-me até ao rapaz que lhe serve a bica todas as manhãs. Depois chega o dia em têm numa cena com um rapaz que serve bicas e nem sabem o que o hão-de por a fazer e a dizer. De facto, as próprias personagens não têm uma personalidade definida nem qualquer vestígio de complexidade, e os textos pouco acrescentam, de tão maus e inoportunos que são. E se não são complexas, são desprovidas de qualquer carisma, e personagens sem carisma não são personagens que valham a pena sequer nascer. Não sou actriz nem tenho essa pretensão, e por isso não ponho em causa o talento e o trabalho que essa profissão exige, mas em tudo o que fazemos devemos ser sempre o melhor possível, principalmente quando se expõe a própria imagem numa tela de televisão ligada no país inteiro.
Depois é a questão da movimentação, que me irrita quase tanto como os enfadonhos textos. Não existe qualquer dinamismo, nem ponta de naturalidade. Debitam os textos de tronco virado para as câmaras mesmo que estejam a falar para o lado (um pau de vassoura faria bem o papel e não sairia tão caro), não se mexem enquanto não acabam o texto e ninguém interfere no tempo de cada um de dizê-lo até ao fim. Não existe uma caminhada curta para o sofá, seguido de um levantar e um virar de costas. Não existem gestos naturais de agarrar num objecto enquanto falam, descalçar os sapatos ou simplesmente coçar o nariz. Ninguém vê televisão, ninguém cozinha, ninguém toma banho. Não existe espontaneidade, e o que faz o actor um bom actor será a facilidade em transpirar espontaneidade na ficção.
Depois há a cenografia. E o Óscar desta categoria vai directamente para o Rebelde Way (por acaso da Sic). Pouco sei da história de cada um dos pequerruchos, mas sei que a trama anda à volta de meia dúzia de alunos de um colégio de seu nome Prestige, cheio de etiquetas a dizer ´”ridículo”. Ridículo, primeiro, porque, por alguma razão insondável, retrata um colégio de meninos ricos, mas que de riqueza têm pouco, e nada se parecem com a maioria dos jovens portugueses a quem, supostamente, tentam adequar-se e é ridiculamente enorme para a quantidade de indivíduos que habitualmente lá circulam (assim uns 20 no máximo, a contar com os figurantes). Ridículo, em segundo lugar, porque passadas as portas (e entrando no cenário) deixam de existir janelas, deixando de existir qualquer ligação a um mundo exterior que nos ajude a formar um contexto (isso também acontece muito com as brasileiras, mas não de uma forma tão evidente). E sendo que a luz de estúdio e o pouco cuidado na cenografia dos habitáculos são tão proeminentes que uma formação mental de um contexto real vai por água abaixo.
Por fim vamos aos planos. Para que não sabe há vários planos possíveis: o plano geral ou grande plano, o plano médio ou ainda o plano americano, e os planos aproximados e de detalhe, havendo ainda os planos de sequências, os voos, etc. E penso que o segredo não está no uso e abuso de todos eles ao memos tempo, porque há cenas que dispensam muitos deles, mas sim no ritmo, na cadência e no intercalar dos mesmos, assim como a duração de cada um. E cada situação deveria seguir um padrão específico para uma melhor transmissão da mensagem idealizada, mas o que acontece é uma homogeneização desses padrões, até que deixam de existir dinâmicas e a história se torna apenas mais uma das muitas produções-relâmpago.
Começar por contratar actores profissionais, pessoas com formação real na área, seria um bom começo. Deixar as entradas das escolas ou as caixas registradoras dos super-mercados em busca de carinha bonitas e admitir pessoas com uma beleza não tão acessível à maioria dos gostos, mas com inequívoco talento, seria um excelente começo. Ficamos ansiosamente à espera.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Momentos de absorção

Hoje dei por mim na janela a olhar a rua lá em baixo. Faço isso muitas vezes, mas o que não é habitual é ficar longos minutos a reflectir sobre a temática ‘pedras da calçada’. E desta vez surpreendi-me num absoluto transe, hipnotizada com as formas que entravam pelos meus olhos.
Durante uns minutos viajei pelos contornos das bermas que serpenteiam ao sabor da estrada, passando para a verticalidade dos pináculos que impedem o estacionamento anárquico e pela entrada rectilínea do metro, de onde saía uma luz amarela, qual Nossa Senhora projectando um coluna de brilho no céu. Varri com olhos aquela composição, cheia de quadrados e círculos, curvas e contra curvas, altos e baixos e apercebi-me de como estamos nós habituados a ver a vida a partir da geometria e como já nem nos surpreendemos pelo passeio estar todo retalhado com tampas de esgotos e caixas de electricidade. Só hoje, passados anos, reparei nas três tampas de esgoto, dispostas em triângulo, que estão por baixo da minha janela. E no minuto a seguir, o passeio, de milhares de pedrinhas, já só me parecia uma saia às bolinhas e não mais um passeio.
Mais surpreendente é o facto de andarmos sempre em cima de passeios e estradas e raramente vermos o que de facto é o mundo feito, a terra, e não nos surpreendermos com isso. Ficamos depois surpreendidos por não nos termos surpreendido antes.
Esta tapeçaria faz parte da nossa vida desde que nascemos, os encontros com as esquinas também. Não há ninguém que saia à rua para ir comprar leite que não se depare pelo caminho com vários percursos para chegar a um mesmo ponto e por mais intricada que seja a teia urbana, se no-la tirassem perderíamos o norte.
Depois comecei a imaginar o que seria se os prédios à minha volta não tivessem paredes. Ia ver centenas de pessoas, centenas de vidas em acção, dispostas umas por cima das outras em camadas, porque eu sei que elas lá estão mas, de paredes erguidas, não vejo viv’alma e o bairro parece desabitado. E até gosto dessa tranquilidade ilusória. Habituamo-nos a saber que há pessoas que vivem há anos a 500 metros de nós, mas por existirem essas paredes e essas esquinas, nunca as vimos nem nunca as vamos ver. De facto, só de imaginar que em baixo do meu quarto, com a distância da altura de uma mão de cimento, está a decorrer uma vida, e das poucas vezes que me lembrei disso, é um bom exemplo de como são eficazes as barreiras arquitectónicas.
Entretanto a imagem das milhares de pessoas a bulir dentro das suas casinhas à vista desarmada pareceu-me desagradável. Percebi então que não seria, com certeza, possível viver num mundo onde não houvesse horizonte, onde não houvesse primeiros, segundos e terceiros planos; onde não houvesse o aberto e o fechado, onde não existisse simetria e assimetria, relevos e depressões. Mas a conclusão mais importante que tirei foi de que não seria suportável viver a céu aberto e com uma profundidade de campo indefinida com mais dez mil vizinhos, porque em vez de estar a alucinar saudavelmente com os desenhos da rua, estaria a ver o vizinho do 3ºA do prédio da frente a lavar os dentes ou a senhora do 5ºD do prédio do lado a cortar as unhas e quem sabe outras tantas coisas que felizmente não temos de partilhar com ninguém.
Agora vou dormir, antes disso vou só lavar os dentes e cortar umas unhas. Boa Noite.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Amor de pedra

Nãaao, não me estou a referir metaforicamente ao coração de ninguém, nem a um sentimento duro e insondável. É mais linear que isso. Refiro-me à minha paixão platónica pelo David de Miguel Ângelo. Sim, ele é de pedra...e então? Não lava a loiça nem aspira o chão, mas também não diz barbaridades...! Ou não fosse ele de pedra...
Ele já deixou de ser único, porque dele fizeram dezenas de cópias, e há as que são executadas com tanta perfeição que diriamos estar perante o original. A mim isso não me interessa. Na verdade se me pusessem um clone do Jude Law à frente, mesmo sabendo que não era o original, não pensava duas vezes. Não pensava, ponto final... Mas falando do David e das suas cópias, bom bom era o Berardo plantar um lá no CCB, porque assim escusava de me despencar até Itália!

Como todos os amores, este amor pelo David está embuido de vantagens e de desvantagens, de momentos de plena ternura e de momentos de crises altamente patológicas (porque o amor é uma patologia...embora seja das patologias mais bem vindas deste mundo).
Começando pelas vantagens, a mais óbvia é o facto de ele não ir a lado nenhum: não sai à noite, não se mete nos copos, não chega tarde e a más horas e não trai ninguém. Não preciso de perguntar "David, onde estiveste ontem à noite?", "David, que perfume é esse na tua roupa?". Porque ele não vai a lado nenhum e também não usa roupa: outra vantagem belissima de se constactar! (strike 2)
Outra vantagem será o facto de nunca envelhecer. Ele é sempre bonito, sempre jovem, sempre no auge da virilidade. Ninguém diria que o rapaz já vai para 5o0 anos e troca o passo, e nunca precisou de ir à Corporation Dermoestetica encher as peles. E está sempre na mesma pose.
A terceira vantagem nesta relação prende-se no facto de eu poder continuar a fazer a minha vidinha e não ter ninguém a pedir-me satisfações. Sim, porque ainda ontem fui ao Bairro Alto e ele não me mandou nenhuma mensagem enfurecida a perguntar onde raio eu andava e com quem estava. Isso é supimpa.
Mas depois de tanta parvoice junta, chega a hora das desvantagens: Ele não ajuda em casa; Ele não leva o cão a passear; Ele não aquece os pés de ninguém à noite; Ele é frio; Ele é de pedra!
O próprio Miguel Ângelo, de uma "gayolice" assumida (e acho muito bem), perguntou, certo dia, à sua obra prima "Porque és tu de pedra, meu amor?". Coitado do senhor, a partir do próprio cinzel esculpiu o homem perfeito e não pode atribuir-lhe o mais importante que foi a vida.
E os meus sentimentos vão para ele, porque não há ninguém que o entenda melhor que eu. O David, com as suas mãos sapudas e grandes, e o seu tronco eximiamente delineado, inspira paixões mas não aquece corações. Maior problema que esse é o facto dos Homens-Vivos, os de sangue e carne feitos, também não conseguitem tal proeza. Então, se os orgânicos não nos valem, fiquemo-nos pelos idílicos, porque com esses pelo menos podemos construir a história à nossa maneira.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Luelmo

Para quem se está a perguntar a si mesmo "que raio de nome é este para um blog?", eu explico. Não tem nada de metafísico. É só o meu apelido. E até estou agradecida por tê-lo, porque senão ia ser mais uma Ana, no Bum das Anas.
Assim apenas lido pode parecer apenas estranho, um tanto feioso, mas não é especialmente exôtico, tipo Borghildbjorn, como aqueles nomes que volta e meia aparecem nas listas dos novos alunos na Faculdade (e começamos logo a imaginar que temos um noruguês como colega, alto e espadaúdo, nos píncaros da saúde e cheio de amor para dar, para logo nos apercebermos que é apenas um descendente alemão por parte da bisavó por parte da tia da mãe, completamente português, inchado e com duas rosáceas nas frontes). Mas Luelmo, quando apenas dito, ninguém percebe. E nem sei porquê, não tem w's nem y's nem cinco consoantes seguidas. Se bem que para aqueles que nao dizem os l's deve ser lixado.
O meu nome é também uma herança dum estrangeiro muito à frente. É mesmo ali de Espanha, na fronteira com Portugal, algures entre Zamora e Fermoseille, por parte de bisavós, de uma tal de Socorro e de um tal de Manolo, que nunca cheguei a conhecer, e o que torna toda a histórica logo menos entusiasmante.
Quando tenho de dizer o meu nome a alguém, faço logo a antevisão da expressão mais repetida de sempre: "Como?", começando a soletrar a 'palavra' sonolentamente, segundos antes da reacção se realizar e do "como?" ter tempo sequer para ver a luz do dia. Ou então não dizem nada e escrevem o que lhes suou melhor. Mais tarde temos alguém a tratar-nos oficialmente por Noel. Ou Coelho. Sim, já confundiram Luelmo com Coelho. Eu devo ter um problema de dicção muito profundo e não dei conta. Isso preocupa-me, porque quer dizer que sempre que eu falo e as pessoas dizem o fatídico "pois", quer dizer que não perceberam nada. Bem, todos nós temos episódios em que temos a nítida sensação de estar a contar a historia mais hilariante do mundo e ninguém estar a ouvir. É desagradavel...é um facto.
Mas não, acho que não é dislexia minha. Porque não é possivel que quando eu digo Luelmo, se pareça realmente com Hellmans. Pois é, meus caros amigos, Hellmans. Mas de facto, a senhora tinha uma aparelho de audição que parecia um telemóvel atrás da orelha. Eu cá se fosse a ela, pedia uma indmnização ao fabricante. Aquilo não era pa ouvir melhor, era para captar vozes do outro mundo. Os serviços secretos devem estar metidos nisso.
De Coelho a Hellmans, pelo meio também fui Lelo. Ana Lelo. Não podia ser mais lisonjeiro.
Mas sim, já dei por mim a responder a telefonemas em que do outro lado se ouve: "D. Ana Elmo?" e eu "Sim, sou eu, boa tarde", porque não vale muito a pena reivindicar a sonoridade perfeita do meu nome já que ele não significa coisa alguma. "Pode ser Elmo, pode, diga lá."
Mas tem o seu quê de interessante não ser mais uma Silva ou uma Sousa, porque pelo menos pude mesmo deixar de ser Ana. Quem já sabe (finalmente) como se diz, já não me trata por Ana. E não foi por opção, simplesmente não há ninguém que me trate doutra forma, tirando a minha familia. Claro que aos poucos vai evoluindo para Luelma, porque senão parece que me estão a atribuir um nome masculino, o que também dá um nó agravado no sistema.
Mas suponho que é normal esta continua metamorfose dos nomes, porque há sempre aquele engraçadinho que gosta de fazer trocadilhos com o nome de qualquer pessoa, passando o Zé Aves a Zé dos Frangos, O Miguel Dias a Miguel Noites e outros exemplos que primam no gosto e na comicidade... Mesmo hilariantes esses tipos.
Ele não dá grande azo a comédias porque não quer dizer nada, nem se parece com nada que de cómico tenha (acho eu), mas se não é Luelma, é mesmo Lelma, qué mais rápido, mais prático. E depois surgem as situações "Ana? Tu chamas-te Ana?. . É que pensava que eras mesmo Lelma, tipo Telma".
Enfim, mesmo com os reveses marotos da fonética, gosto do meu nome. Quanto mais não fosse por tê-lo herdado do meu pai, que ao contrário dos meus bisavós castelhanos, conheci muito bem e de quem muito me orgulhei.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A conquista do Betão

Ele até merece letra grande porque se não é omnipresente como Deus, está quase a apanhá-lo! Ele é prédios, estradas, pontes e viadutos. Ele vai de casas a casões, de Nacionais a Auto-estradas, de vozes a nozes. E agora decidiu também destruir a vista que tinha da janela do meu quarto.
Eu achava que era privilegiada. Era um privilégio morar num paralelipípedo cinzento e feio sem ter de o ver nem a ele nem a similares criações. Partilhava da mesma sensação de alguém que um dia disse que ia almoçar todos os dias à Torre Eiffel, não porque a adorasse, mas sim porque era o único sitio de Paris de onde não se via a Torre Eiffel.
De facto, do meu feio prédio, da janela do meu quarto, até tinha uma vista agradável. Claro está que se pusermos um postal da Suiça ao lado da vista da minha janela, será uma triste comparação. Não tinha propriamente uma cordilheira montanhosa, com vaquinhas lindas e anafadas, como as do anúncio da Milka, a bambulearem-se de um pasto para outro, mas no seu todo, era um quadro bonito, pontilhado por árvores e casinhotos, velhas quintas com velhas oliveiras. Mas agora apenas sobreviveram algumas couves e uns quantos tuberculos, porque o resto fui brutalmente decepado para dar lugar ao Deus Betão.
Não estou preocupada com a hipótese de me entrar um carro pela janela adentro, porque o bem-dito viaduto que ali está a nascer, não está suficientemente próximo. Mas está suficientemente próximo para poluir a minha visão com 1 dioptria de miopia em cada olho, sem ter de por os oculos.
E eles dizem que vai melhorar o escoamento do trânsito e tcha tcha tcha, mas parece-me a mim que quanto mais estradas constroiem mais necessidade as pessoas têm de andar de carro. E quanto mais se andar de carro mais estradas se têm de construir porque o ciclo é um granda viciado. Aliás, alguém ponha em reabilitação esse fulano.
Em suma, eu estava feliz com a pequena favela que tinha à frente, com direito a galinhas e crianças cm ranho no canto das narinas. Gostava desse anacronia das oliveiras e casebres do século XIX de antigas quintas, misturadas com o pequeno bairro de casinhotos com pouco mais da minha idade. Estava feliz com isso. Mas agora, toma lá com um viaduto e quem sabe com o entulho das obras que nunca mais dali vai sair, para ver se voltas para a o ecrã da televisão em vez de estares à janela! Onde já se viu isto...

Presunção e água benta

Para inaugurar este blogue, que é a continuação do antigo "rebeubeubeu pardais ao ninho", nada como lançar à baila umas dicas espirituais. Não quero ser guru de ninguém, até porque a minha vocação está longe de tal categoria, portanto vejam-no (como eu vejo) apenas como um desabafo de ideias que me têm andando a trincar as células cerebrais com mordidinhas excruciantes.


Há uma coisa que me intriga nas coisas de Deus... Não que ele exista ou deixe de existir, porque isso nem o mais profundo dos místicos pode assegurar, e já estamos todos cansados desse assunto para o qual não havemos de ter resposta em vida, por isso não nos cansemos mais, mas sim a insistente continuidade que a generalidade das pessoas dá a rezas, orações e preces, quando Deus já provou há muito tempo, caso exista mesmo, não ter nem o poder, nem a 'vontade' para nos libertar dos nossos tormentos terrenos. Mais terço, menos terço, a miséria continuará a existir. Mais oração, menos oração, a tristeza continuará a assolar-nos.

"Quando orarem, não façam como aqueles que usam de vãs repetições porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos", Mateus, 6, 7-8.
Curiosamente até nos idos tempos bíblicos houve alguém que teve a coragem de o admitir. Não vale a pena gastar saliva nem arredondar testas em muros de lamentações, porque esses lamentos não surtirão efeito.
Não está em causa julgar a fé de ninguém. Estará em causa julgar a ingenuidade. Mas também não sou eu que vou julgar. Apenas me limito a disparar impressões.
A Nossa Senhora de Fátima, feita de pau, que não vê, não ouve, não fala e nada pode fazer por ser feita de pau, não vai aliviar a dor de ninguém nem trazer bem aventuranças algumas. A cruz que trazem pendurada no retrovisor do vosso carro também não vos trará sorte maior que a sorte dos que não usam amuletos... Em relação a isso não tenho qualquer dúvida. No entanto, não quero anunciar um absoluto cepticismo e vazio espiritual, porque acredito vigorosamente em algumas coisas.
Acredito que temos a habilidade de encontrar uma tal paz de espírito permanente, que nos fortalece e nos ajuda a encarar todos os ganhos e todas a perdas, mas essa é uma faculdade que temos de ser nós a desenvolver, cm muita perseverança e coragem. Acredito que haja um propósito que temos de perseguir, e que se baseia no amor, no amor em todas as formas existentes. Acredito que temos em nós o verdadeiro potencial para uma vida plena, sem excessos e sem pobreza. E é no meu intimo que encontro este desafio, com solução anexa, mas muitas vezes sem ajuda externa para o concretizar. Só não sei ainda, nem vou saber tão cedo, se é a mão de Deus que me sugere essa boa-notícia ou se somos apenas nós os autores dessa boa-notícia.