quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Cérebros comandados

Atravessamos actualmente uma crise... a dos cérebros comandados. 
Quem é que já não se perguntou "Porque tenho eu de me levantar às 7h da manhã e estar numa sala de aula a decorar símbolos químicos que depois vou esquecer em poucos dias?"
Ok, não estou a querer dizer que a educação é dispensável, antes pelo contrário. Apenas reflito acerca dos meios usados para que essa mesma educação chegue até nós, não de chicote em riste, mas é quase como se fosse (eu cá nunca gostei de acordar cedo). 
Os países de todo o mundo estão ávidos de sucesso económico, e isso leva-os a contrariarem a tal democracia na qual pensamos todos viver. Estão a ser criadas máquinas dóceis e tecnicamente qualificadas, em vez de cidadãos realizados e felizes, capazes de pensarem por si mesmos. 
E porque vem à baila agora este assunto? Porque me sinto pouco realizada dentro da minha sala de aula, onde tenho de estar permanentemente em alerta, não vá o professor perguntar-me algo sinistro e, em caso de sair babuzeira da minha boca, levar com aquele olhar "tu és um bocado estúpida e daqui vais para o desemprego".  
Vejo que as Humanidades e as Artes estão a perder terreno, mesmo até nas áreas supostamente artísticas, como a minha. Animação 3D tem muito de técnica, mas também devia dar-me a liberdade suficiciente para criar. E até a tenho...simplesmente porque eu não ouço o professor. 
As artes são acessórios inúteis e há que combater o superfluo para sermos competitivos no mercado mundial, é por aí o caminho que estamos a seguir. O importante é rodearmo-nos de bens que nos satisfazem e consolam, porque nós já perdemos a capacidade de ver dentro de nós mesmos algo que nos satisfaz e consola.  O pensamento e a imaginação estão pregados num alvo, prontos para levarem um tiro, porque aquilo que faz de nós humanos nem sempre é utilitário. 
Este espírito competitivo que está a ser injectado nas crianças e jovens cega-lhes uma faculdade muito importante: a de ver no outro um outro nós. O sentimento de dedicação ao outro implica que o vejamos como ser humano e não como obstáculo. Mas o mundo competitivo é assim. Se não sabes a tabuada toda de 'cor e salteado' não levas uma reguada porque isso é do tempo da 'outra senhora', mas possivelmente, se não trabalhares a tua imaginação e engenho cigano, irás ser um daqueles desgraçados que vai para o pub da esquina mamar imperiais até a noite ficar dia (com o subsidio de desemprego). 
Eu entrei numa área técnica, a culpa foi minha. Mas se não fosse para uma área técnica e me dedicasse ao origami, tinha de viver com algumas moedas deitadas num chapéu. E isso nem seria mau se, de facto, admirassem a minha arte origami e não me deitassem um par de moedas no chapéu por pena (ai, coitadinha, que não deve ter curso universitário).
A capacidade de imaginar as vivências e as necessidades do outro contraria o Capitalismo. E é do Capitalismo que vivemos diariamente. Promover a qualquer custo o crescimento económico não estimula ninguém a ser melhor pessoa nem a ser-se mais feliz. 
Como Martha Nussbaum* diz, e bem, "Devemos cultivar os olhares interiores dos estudantes. As artes têm um papel fundamental na escola porque enriquecem a capacidade de jogo e de empatia, de uma maneira geral".
É fácil tratar os seres humanos como objectos a manipular, quando nunca se teve a capacidade de ve-los de outra perspectiva. 
Se afirmamos que queremos a democracia e também a liberdade de expressão, o respeito pela diferença e uma compreensão amplificada ao mundo todo, temos não só de ser a favor desses valores, mas também fazer a diferença no ensino e naquilo que está a ser transmitido à geração seguinte, assegurando a sobrevivência desses mesmos valores e transformando o mundo um sitio mais honesto para se viver. 

*filosofa norte-americana contemporânea.