terça-feira, 31 de julho de 2012

A rapariga chamava-se Alma. Tinham-lhe dado esse nome num a ver se ela alguma alma lhes trazia, à vida que já pouco surpeendia. A mãe, Maria Queixume, julgou ver esse brilho, durante os minutos que frouxamente a segurou, no meio das mantas, que apesar de velhas, o sangue não poupou.
Alma tinha, de facto, uma alma. Mas daquelas que vagueiam de um lado para lado nenhum. Silenciosa e taciturna, a miuda cresceu, mas nunca engrandeceu. E o pai de vinho se emborcou, pois a alma que ele queria que Alma fosse, não era mais que a sua que se perdera e nunca mais se avistou.  
Alheia ao peso da sua alma, que pesaria, afinal, coisa nenhuma, ela seguia o seu caminho de ninguém, com os pés presos no chão e nunca mais além.
Um dia a mãe Maria Queixume lhe disse:
-Mas tu não fazes nada? Trouxemos-te ao mundo para nos surpreender e olha o que o teu pai acabou por fazer!". Alma encolheu os ombros e disse:
- Olha o céu, mãe. Aquelas estrelas brilham tanto, e estão sempre no mesmo lugar".


quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quem espera sempre alcança, já dizia o ditado. Mas eu o desdigo, sem troça. Quem espera desespera, diria então o outro. E esse já cabe em mim com todo seu sentido. Na espera do esperado, desespera-se porque já sabemos o final que irá ser contado. Mas na teimosia do esperar, porque sabendo que se chegasse já deveria ter chegado, vamos reconhecendo que, afinal, o que se teima é não querer desteimar. No desteimar, perde-se a ilusão daquilo que poderia ser, mas nunca será. Nunca será, mas poderia ser.
Há este doce afago que aquece as ilusões, personificando-as no desejado. Pois são elas, afinal, que esperam por nós, todos os dias e todas as noites. Enrolam-se aninhadas no pescoço, amarram-nos os braços e tapam-nos os olhos, e deixamo-las estar, assim enganadas, enquanto pensam que quem nos engana são elas.
Há um rio que atravessa a casa. E as memórias vão nadando contrariando a corrente. Não querem ser levadas e buscam sustento. Estão todas desgrenhadas, já não lhes resta vaidade, apenas arrependimento. De não terem sido salvas a tempo.