quarta-feira, 26 de agosto de 2009

pela Estrada Fora


Isto de andar para cima e para baixo com uma cabeça em anexo, é uma treta. Isto de termos o poder de pensar, reflectir, supor, interpretar, concluir, falar, esbracejar e chorar, é uma treta. Nós somos tão penalizados por termos inteligência como as moscas terem atracção por aquelas grelhas que delas fazem churrasco. E até para se nascer cão, é preciso ter sorte. Há os vagabundos maltratados e os príncipes da mamã. 
Este mundo é uma espécie de exame de geometria descritiva. Não entendemos a matéria, mas decorámos os passos para passar na disciplina que, mais provavelmente, não nos vai levar a lado nenhum. À vida também não sabemos porque a temos, mas acostumamo-nos a ela e batalhamos nos assuntos terráqueos como guerreiros e, no fim, o mais provável é também não sabermos o propósito de nenhum deles.
Mas se calhar é aí que está o segredo: em não entender nada. Viver. 

" Mas nessa altura dançavam pelas ruas, quais fantoches febris, e eu trotava atrás deles, como toda a vida fiz no alcanço das pessoas que me interessam, porque as únicas pessoas autênticas, para mim, são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, as que não bocejam nem dizem nenhum lugar-comum, mas ardem, ardem, ardem como fabulosas grinaldas amarelas de fogo-de-artifício a explodir, semelhantes a aranhas, através das estrelas e, no meio, vê-se o clarão azul a estourar e toda a gente exclama: Aaaah!"

in Jack Kerouac - Pela Estrada Fora.