Eu gosto de escrever. E isso traz em anexo um problema: falo menos.
Quando se escreve podemos pensar, com tempo, naquilo que queremos dizer, descrever exactamente aquilo que sentimos, por as vírgulas e as pausas nos sítios certos. Podemos voltar atrás a apagar e voltar a escrever e rescrever. Escolher as palavras ideais, lê-las e editá-las, não ao nosso gosto, mas ao nosso sentido, e dizer, claramente, o que queremos que os outros entendam. Mas será isso um defeito? Escolher a via do lápis, do papel ou do computador, em detrimento de uma presença transparente?
Bem, não é uma questão de ser-se falso, cínico ou teatral. A questão é se sabemos demonstrar, de facto, aquilo que sentimos... através do gesto, das palavras ditas, das expressões, da atitude. Cada vez mais percebo que aquilo que mostramos ser nunca é aquilo que de verdade somos. Ou porque somos cheios de artimanhas ou porque cada pessoa vai entender de uma forma muita pessoal a nossa mensagem. Mesmo que essa mensagem tenha um sentido único, cada um interpretará à sua maneira o seu significado. E no fim, temos várias versões de nós mesmos a passear pelo mundo: aquilo que de facto somos, aquilo que a nossa mãe acha de nós, aquilo que cada amigo e cada familiar entende para si mesmo ser a verdade.
Tenho a certeza que se todos nós nos filmássemos durante uns dias, quando nos víssemos não íamos reconhecer aquela pessoa que, por acaso, somos nós mesmos. Deve ser um choque e tanto. Íamos ver de fora a pessoa que os outros vêm, mas que nos é impossível ver dessa perspectiva.
E com isto quero dizer que mais vale não levar nada a sério, porque no fim do dia, aquilo que realmente importa é ser feliz e fazer felizes todas essas pessoas que nos confundem e que não entendemos no seu âmago profundo, mas de quem gostamos e precisamos para continuar a viver.
Não sei se algum dia vou conseguir atingir esse estado mágico de transparência, mas também não sei se essa transparência vai ser entendida sempre da mesma maneira. Só sei que a escrever, consigo por as virgulas e as pausas nos sítios certos. Posso voltar atrás a apagar e voltar a escrever e rescrever. Escolher as palavras ideais, lê-las e editá-las, não ao meu gosto, mas ao meu sentido, e dizer, claramente, o que quero que os outros entendam.