Cecília Gimenez, uma mulher espanhola de 81 anos, fez-se
famosa e esteve debaixo dos holofotes da comunicação social durante várias
semanas, após ter arruinado, segundo uns, ou recriado, segundo outros, um
fresco do século XIX, que representava Jesus Cristo, “Eccehomo”, na igreja da Misericórdia,
em Borja, Zaragoza.
Muitos consideraram-no um atentado “terrorista”. Além de
arruinar um fresco original do século XIX, dificilmente recuperável, Cecília
atentou também à moralidade e religiosidade de muitos. Sendo ela apenas, e não
mais, uma paroquiana devota, sem qualquer formação na área de restauro, e não
tendo o aval colectivo dos demais paroquianos para o efeito, Cecília, ainda
assim, pegou nos seus pincéis e tintas e tentou recuperar o Cristo que há muito,
segundo ela, estava em decadência.
A intenção seria boa, não fosse o seu pouco ou nenhum
talento para a representação figurativa e tendo transformado o “Eccehomo” numa
pintura digna de uma menina de 5 anos. Feições distorcidas, volumetria perdida
e cores empasteladas, cobrindo totalmente a pintura original, a igreja da
Misericórdia perde para sempre uma das suas obras mais emblemáticas. Acto este
cujo autor original, Elias Garcia, não haveria de ter aprovado. Mas tendo agora
a dita igreja um estranho e deformado, mas não menos peculiar, Cristo, numa das
suas paredes mais visíveis, já destino de centenas de curiosos.
Mas se por um lado houve milhares de pessoas que ‘crucificaram’
o acto de Cecília, por outro lado, houve milhares que se regozijaram com ele. Afinal
de contas, deu que falar.
Em Espanha, e não só, muitos pedem que a obra se mantenha
como actualmente se encontra. De entre as muitas considerações, a opinião
generalizada é de que se tratou de uma atitude ingénua, produzindo uma obra ao
estilo ‘naif’, que em poucos instantes se tornou, igualmente, Pop Art. Canecas,
t-shirts, posters, e os mais variados objectos, surgiram com o novo Eccehomo. O
Facebook foi invadido por brincadeiras, piadas e dissertações sobre o
acontecimento. E o local que seria visitado, anteriormente, apenas por
paroquianos locais ou turistas ocasionais, enche-se agora de gente de todos os
lados, em busca do tal novo Eccehomo.
Matisse terá dito que a exactidão não é a ‘verdade’: “Temos
que ver a vida como se fossemos meninos”; Picasso proclamou “ Um quadro bom no
meio de quadros maus acaba por se transformar num mau quadro. E um quadro mau
no meio de quadros bons acaba por se tornar um bom quadro.” Já Andy Warhol, o
pai da Pop Art, dizia que nunca se poderia prever o tipo de reacções emocionais
que determinadas obras provocariam no público, e que o valor das mesmas estava
nessa não-antevisão do futuro e nas reacções emocionais, positivas ou
negativas, que surgiriam: “O importante é criar vida.”
Um artista é alguém que produz coisas de que as pessoas não
têm necessidade, mas que ele, por qualquer razão, pensa ser uma boa ideia oferecer-lhes.
Cecília terá sido guiada por esta premissa. Talvez não seguindo um pensamento
artístico, mas um sentimento religioso de preservar a imagem do seu ídolo.
Se ela pode ser considerada artista ou não, está no livre julgamento
de cada um, se ela deve ser julgada por ter destruído uma obra já existente,
estará, igualmente, no livre julgamento de cada um. Se ela merece
reconhecimento e futuros ganhos pela obra produzida já é mais controverso, pois
ainda correremos o risco de ser invadidos por restauradores autodidactas em busca
dos seus 5 minutos de fama.
Contudo, rir faz bem. E ela, por certo, conseguiu,
intencionalmente ou não, o riso de muitos. E conseguiu também eternizar as já
eternizadas questões: “O que é Arte?” E “O que é a moral?”.
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